segunda-feira, 4 de julho de 2011

Gavetas

Adoro mexer em gavetas bagunçadas. Procurar o que não acho e encontrar o que não quero (espero). Encontrar lembranças esquecidas guardadas em meio a bagunça e desarrumação. Infância e juventude se misturam num mesmo espaço no universo. Chaveiros, fotos, bilhetes, brinquedos, escritos, recados não lidos, tampas, canetas, cd, dvd, fita, agenda, gaveta, incenso, borracha, amigos, pedidos esquecidos, anéis, camiseta, diploma, bicicleta. Na gaveta encontro de tudo, mas, o que eu procurava mesmo?

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Muito prazer, meu nome é otário


Vivemos hoje em dia na era Restart, Justin Bieber e de todas essas duplas sertanejas que aparecem por geração espontânea, sem falar dos tecno bregas, axés e afins que também nos cercam de domingo a domingo nos Faustões da vida. No entanto, mais do que os espectadores ou consumidores dessa nova (ou velha geração de música comercial) nós temos os músicos, a mão de obra desse sistema, o servente de pedreiro da indústria cultural, que é taxado muitas vezes de otário, vendido ou qualquer outro tipo de xingamento carinhoso que se possa dar aquele que não exerce aquilo que “ama” ou o faz por remuneração.
Por isso vos digo: “muito prazer, meu nome é otário”, parafraseando aquela banda do sul que explora temas complicados em suas letras, que utilizam a filosofia e que tem um líder complicado e às vezes autoritário, e que muitas das pessoas que julgam os “músicos mercenários” mal conhecem ou mal entendem.
Ainda não entendendo nada? Comecemos do começo.
Desde muito cedo meu sonho era ser baterista de uma banda de rock, fazer sucesso, fazer shows e viver da música para o resto da vida. Desde muito cedo estava acostumado a ir nos churrascos de família onde só tocava sertanejo, desde os antigos como Tião Carreiro e Pardinho, Pedro Bento e Zé da Estrada, Tonico e Tinoco, Sérgio Reis, Milionário e José Rico, até os mais “novos” como Chitãozinho e Xororó, Christian e Ralf, Leandro e Leonardo, Zezé di Camargo e Luciano. Ouvia também, por influência de minhas irmãs Paralamas do Sucesso com o grande mestre João Barone, Legião Urbana, Titãs, Bon Jovi e outras bandas. Sempre ouvi alguns de meus familiares dizendo que eu devia me formar e arrumar uma profissão, que a bateria seria meu hobby e não a fonte do meu sustento.
Aos quinze anos aprendi a tocar bateria sozinho e sem bateria, ouvia música e vendo os vídeos na televisão imitava meus bateristas favoritos ao estilo “air guitar”. Depois comprei um par de baquetas e no colchão comecei a treinar as músicas. Tocava no início Blink 182, Cpm 22, Detonautas e outras bandas que estavam no auge da época. Mais pra frente amadureci como instrumentista e comecei a tocar Iron Maiden, Angra, Led Zeppelin, Black Sabath, etc.
Mesmo tocando não tinha condições de comprar meu instrumento, vivia pedindo pratos emprestados, pedal, quando tocava pedia bateria emprestada, sempre contando com a boa vontade de meus amigos. Tive que trabalhar seis meses para poder comprar meu pedal duplo e o dinheiro que eu tirava tocando nos bares de minha cidade nunca deu pra comprar baquetas, muito menos pratos e ferragens.
O que eu ouvia era sempre o mesmo: “você é bobo, toca, ensaia, se esforça, trabalha para comprar seus instrumentos e no final não ganha nada, ou o que ganha não paga nem a gasolina para ir aos shows.” Isso nunca me incomodou, para mim tocar era como jogar futebol nos fins de semana, ninguém ali tem intenção de jogar na seleção brasileira, e sim de se divertir, de encontrar os amigos, fazer algum esporte, etc.
Hoje faço faculdade fora de casa e por algumas circunstâncias me chamaram para tocar em uma banda de sertanejo universitário. Pensei “agora sim está compensando tocar, eu consigo tirar uma grana pelo menos para bancar meu instrumento, curto umas festas de graça, viajo para tocar, estou com meus companheiros de banda e acima de tudo faço o que gosto: tocar bateria”.
Mas não é tão simples assim. Por vezes já ouvi “Nossa, mas você toca sertanejo?”, “Você ouve sertanejo?”, como se isso fosse a pior coisa do mundo, como se eu fosse da ku klux klan ou defendesse o nazismo. As pessoas te olham como se você tivesse uma doença grave ou coisa do tipo, dizendo que você é vendido e que toca pelo dinheiro, que isso só aumenta o poder da indústria cultural. Sou formado em publicidade e propaganda e por um bom tempo estudei textos sobre indústria cultural e sei muito bem que o músico é só a ponta do iceberg , falar isso é o mesmo que culpar um pedreiro pela falta de moradia no país por ele construir condomínios de luxo ao invés de casas populares. Isso se chama lei da sobrevivência, todos temos que nos virar para colocar comida dentro de casa e hoje em dia quem não trabalha por dinheiro? Hipócrita é aquele que disser que não. Quem trabalha pelo simples fato de acordar cedo e fazer algo que gosta? Sorte das pessoas que podem fazer o que gostam e que são bem remunerados para isso, mas a vida não é tão simples assim, chega uma época da vida em que temos contas para pagar e nem sempre o amor pela profissão é o bastante para isso. Acredito que muitos caixas de supermercado não gostariam de ser caixa de supermercado, alguns talvez sonhassem em ser engenheiros, ou advogados quem sabe, mas as circunstâncias não os levaram à realização desse sonho e a vida não para.
Acredito também que devemos ter o mínimo de amor próprio e tentar algo que nos agrade minimamente, já que não podemos fazer o que queremos e ter um bom salário fazendo isso, no caso do músico, nem sempre tocar um estilo diferente daquele que ele jurou amor eterno é ser vendido ou é tocar apenas pelo dinheiro, mas o simples fato de tocar já o faz feliz, independente do estilo. É aí que entra o dilema: se você toca por amor e não ganha nada as pessoas dizem que você é um sonhador e que isso não levará a nada, se você consegue tocar e ganhar uma grana é porque você está tocando algo comercial, que não tem valor e está tocando somente por dinheiro. Pela cabeça das pessoas que pensam assim você acaba sendo o otário de qualquer jeito.
Por trás de muitas bandas ditas “porcaria” existem ótimos músicos que sustentam a família fazendo shows e que devem ser respeitados por isso, infelizmente o músico não é o culpado pela indústria que se instaura e que vende música como se vende banana, o buraco é mais embaixo e culpá-los por isso é ignorar os fatos. Nós vivemos em um sistema capitalista e, gostando ou não, temos que nos encaixar, com o músico não é diferente. Existem bandas undergrounds que fazem o som que gostam, fazem shows, tem seu público mas dizer que não são comerciais só porque não estão na grande mídia é complicado. Existem maneiras de driblar algumas imposições comerciais feitas por grandes gravadoras, mas não ser comercial (no sentido restrito da palavra comércio) é algo ainda um pouco distante, se você pensar que quase tudo se baseia na troca de valores, no compra e venda, com a música não é diferente, de alguma maneira sua música vale alguma coisa, e isso não quer dizer que eu concorde plenamente com essa “coisificação” de tudo que existe, principalmente da arte.
Existem pessoas hipócritas que adoram julgar num ato de auto-afirmação e egocentrismo os que querem apenas se divertir, ou ganhar dinheiro ou sei lá, viver sem ter que pensar que não é “Cult” gostar disso ou daquilo, que lendo esse ou aquele autor você vai ter menos ou mais valor, que participar do simulacro em que estamos envolvidos faz de você menor do que aqueles que tentam incessantemente fugir de tudo que está construído a nossa volta.