terça-feira, 2 de outubro de 2012

QUEBRANDO O TABU: UMA OUTRA VISÃO SOBRE O CONSUMO DE DROGAS.




O post dessa semana trata de um assunto polêmico: DROGAS. Aparentemente deixamos a Literatura e o Cinema de lado pra falar de algo que esteve presente em todos os tipos de civilização e está em nosso dia-a-dia, nos bares, nas faculdades, nos comerciais de televisão, nos filmes e dentro da sua própria casa.

O documentário acima, Quebrando o Tabu (2011), é encabeçado por ninguém mais ninguém menos que o nosso ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso, e produzido por Luciano Huck. Sim, ele mesmo, Luciano Huck produzindo um documentário que debate o uso controlado de drogas e discute essa questão, apesar de não aparecer dando nenhum tipo de depoimento.

Tratar a questão como papo de viciado ou papo de maconheiro é ter uma visão superficial e equivocada do assunto. Legar aos usuários a culpa por tudo que envolve o consumo e o tráfico de drogas é uma maneira rasa de ver a questão, tirando toda a culpa de um Estado omisso. Se você acredita ser o usuário quem “financia essa porra”, como diria Capitão Nascimento, você está pensando exatamente como os meios de comunicação de massa querem que você pense.

O fato do governo não investir em educação para que as crianças da periferia não tenham que se render ao tráfico nunca é colocado em pauta; o fato de o governo não investir na qualificação da polícia não é questionado; o fato de o governo ter um sistema prisional precário que não recupera seus presos, também não é levado em consideração. Resta assim colocar a culpa em alguém sem cara, sem identidade, ou seja, no usuário. Isenta-se a culpa do governo, pois tudo isso não aconteceria se não existisse o usuário. Será mesmo?

Pior do que ser contra ou a favor a legalização ou a descriminalização das drogas, é a hipocrisia que envolve essa discussão, e aqui entramos numa questão de um discurso vinculado pela televisão que se beneficia com as desgraças promovidas pelo tráfico de drogas. Policiais invadindo favelas em busca de traficantes se transforma em novela das oito; usuários presos se transformam em Judas apedrejados por jornalistas defendendo pena de morte e outras besteiras por aí. É interessante para os meios de comunicação tratar superficialmente a questão da legalização ou descriminalização das drogas.

Muitas vezes, as pessoas que não querem discutir a questão mal sabem sobre o assunto, mal sabem o que é que se está sendo discutido ou proposto, não têm a mínima ideia de que os antidepressivos, remédios para dormir, remédios para acordar, álcool, tabaco, cafeína, açúcar, entre outras drogas, têm uma única diferença em relação à maconha: são liberados, são socialmente aceitos. Efeitos colaterais todos têm, sendo que algumas das substâncias citadas têm mais efeitos do que a própria maconha.



Muito se discute hoje sobre a legalização ou a descriminalização das drogas, principalmente a maconha, e é importante que se faça a distinção entre legalizar e descriminalizar: na Legalização ocorreria o que acontece hoje com o comércio de bebidas; o governo legaliza a produção, o consumo, a venda, fiscaliza a propaganda e coloca uma quantidade absurda de impostos para enriquecer mais e mais a nata da política brasileira. Na descriminalização ocorre algo parecido: o usuário não é mais preso por portar ou consumir determinada substância, mas está sujeito a penas como prestação de serviço comunitário ou medidas sócio-educativas.

A descriminalização deixaria de tratar o usuário como criminoso tratando-o como dependente químico, assim como tratamos os dependentes de álcool ou de comprimidos para dormir. Isso possibilitaria ao usuário cultivar sua própria planta e consumir algo plantado no próprio quintal, sem ter que procurar um traficante para comprá-la. Pode parecer absurdo que alguém seja autorizado a plantar maconha no fundo de casa, mas é isso que acontece em muitos países desenvolvidos que vêm nessa descriminalização algo que eles chamam de “política de redução de danos”.

O governo desses países parte do princípio de que a pessoa viciada em qualquer tipo de substância ilícita vai usá-la independente da proibição do governo. No entanto, com a proibição tudo fica pior, para o usuário e para a sociedade. O usuário para conseguir a droga tem que se render aos traficantes, transitar com a droga e não ser pego pela polícia; na utilização ainda corre o risco de contrair doenças transmitidas através do compartilhamento de seringas infectadas. A sociedade também é prejudicada, pois a polícia que deveria estar preocupada com outros tipos de crime, perde-se na caça de usuários com pequenas quantidades de drogas, esses usuários muitas vezes precisam roubar ou utilizam a droga em locais onde pessoas transitam a todo momento.

Com a política de redução de danos o governo literalmente reduz os danos de um usuário que já utilizaria a droga, reduzindo os riscos que o dependente e seu vício traria para a sociedade. Aconteceria o mesmo se o governo proibisse o sexo para que as pessoas não contraíssem DST’s, por exemplo; as pessoas não se importariam com a proibição e continuariam se relacionando. Partindo desse princípio, o governo distribui preservativos para que as pessoas façam sexo sem que tenham os “efeitos colaterais”: doenças, filhos não planejados, etc. Isso é uma política de redução de danos, em uma comparação bem simplista.

Alguns países fornecem uma quantidade diária de droga para o usuário, um lugar seguro e acompanhamento médico caso ele necessite. A ideia é que, se o usuário vai utilizar a droga, que ele faça em um lugar que não ofereça risco a ninguém, que ele não precise roubar para comprar a droga, utilizando algo de qualidade e recebendo orientação médica. Ao oferecer tudo isso ao usuário, o governo entende que aproximação e recuperação desses viciados se torna mais fácil. Alguns alegam que nas ruas não conseguem ajuda para sair das drogas e que diminuíram seu consumo depois que ela passou a ser disponibilizada gratuitamente e com orientação.

Mas e se não existissem usuários de drogas? E se as drogas não existissem? Alguma vez existiu um mundo sem drogas?

Criada por Robert Dudley, da Universidade da Califórnia em Berkeley, temos a Hipótese do Macaco Bêbado (40 milhões A.C). Essa teoria diz que os macacos, ao comerem as frutas caídas ao sol, ficavam literalmente “chapados”. Isso acontece porque os açúcares contidos nas frutas, ao fermentar, se transformam em álcool, que evapora indicando que a fruta está madura. Os primatas teriam desenvolvido uma atração pelo álcool que os colocariam na frente da corrida evolutiva, pois sentiam o cheiro da fruta madura permitindo o encontro dos melhores alimentos. Esse traço evolutivo teria se perpetuado pelos nossos genes, já que temos várias enzimas responsáveis pela digestão do álcool que não teriam função caso o Homem não consumisse essa substância. O alcoolismo já um problema desenvolvido a partir do momento em que o Homem começou a utilizar bebidas com alto teor alcoólico, assim como a obesidade se tornou um problema quando começamos a ter a nossa disposição mais alimentos, com mais calorias e usufruir em demasia dessa disposição.

Conta de 2700 A.C o uso de cannabis na China, de 1300 A.C na Assíria, o uso do ópio no Egito de 1000 A.C, em 500 A.C já se tomava vinho na Grécia. Em 1492 Colombo traz sementes de Cannabis às Américas, em 1600 os Árabes começaram a utilização do haxixe, em 1800 China e Inglaterra entram em guerra pelo ópio, em 1885 Freud fazia experimentos com a cocaína que na Primeira Guerra Mundial seria usada com fins medicinais. Em 1920 os EUA proibiram o álcool e criando um dos maiores “traficantes” do mundo: Al Capone. Na Década de 60 os movimentos da contracultura utilizariam as drogas como forma de se manifestar contra o conservadorismo, procurando novas formas de consciência e de comportamento. Bob Marley já cantava Legalize it, don't criticize it (...) Doctors smoke it. Nurses smoke it. Judges smoke it. Even lawyer, too.” (Legalize, não critique (...) Doutores a fumam, enfermeiras a fumam, juízes a fumam e até os advogados também a fumam).

Se não existissem usuários provavelmente não existiria a indústria farmacêutica, a indústria do álcool e do tabaco. Não veríamos propagandas de cerveja durante a tarde entre os tempos de uma partida de futebol, não tomaríamos bebidas alcoólicas em festas de criança, mas tudo isso é permitido, incentivado e dá lucro. Quem vai incentivar o uso da maconha para transtornos do sono sendo que a industria farmacêutica ganha bilhões com a venda de Bromazepan, Lexotan, Valium, Diazepam, Dalmadorm, Flurazepam, Tranxilene, Xanax, entre outros. Experimente tirar o álcool do seu pai ou o calmante de sua mãe, a reação provavelmente será a mesma daquele “drogado” dos jornais televisivos.

É preciso distinguir as coisas, como diria Tim Maia: tudo é tudo e nada é nada. Na escala de malefícios com certeza a maconha é menos nociva do que a cocaína, heroína, tabaco e álcool. Ainda não foi legalizada justamente por que somos fruto de um discurso que faz com que acreditemos no contrário, sem nos fornecer nenhum embasamento, típico de uma sociedade que simplesmente quer ver seus cidadãos alienados e sem opinião, somente reprodutores de ideias conservadoras e ultrapassadas, que visam atender a interesses de uma parcela bem específica da sociedade. É preciso tratar o usuário como um dependente químico, é preciso criar maneiras mais eficazes de se combater as drogas, e com certeza não é essa que está aí.

Esse texto tenta fornecer algum embasamento, mesmo que de maneira rápida, para incrementar a discussão em torno da legalização e descriminalização das drogas. Informe-se e não pense como a televisão quer que você pense.

Para terminar, um stand-up de Márcio Américo contrapondo os efeitos do álcool e da maconha.



Link para o download do documentário Quebrando o Tabu.