O post dessa semana trata de um assunto polêmico: DROGAS.
Aparentemente deixamos a Literatura e o Cinema de lado pra falar de algo que esteve
presente em todos os tipos de civilização e está em nosso dia-a-dia, nos bares,
nas faculdades, nos comerciais de televisão, nos filmes e dentro da sua própria
casa.
O documentário acima, Quebrando o Tabu (2011), é encabeçado
por ninguém mais ninguém menos que o nosso ex-presidente tucano Fernando
Henrique Cardoso, e produzido por Luciano Huck. Sim, ele mesmo, Luciano Huck
produzindo um documentário que debate o uso controlado de drogas e discute essa
questão, apesar de não aparecer dando nenhum tipo de depoimento.
Tratar a questão como papo de viciado ou papo de maconheiro
é ter uma visão superficial e equivocada do assunto. Legar aos usuários a culpa
por tudo que envolve o consumo e o tráfico de drogas é uma maneira rasa de ver
a questão, tirando toda a culpa de um Estado omisso. Se você acredita ser o
usuário quem “financia essa porra”, como diria Capitão Nascimento, você está
pensando exatamente como os meios de comunicação de massa querem que você
pense.
O fato do governo não investir em educação para que as
crianças da periferia não tenham que se render ao tráfico nunca é colocado em
pauta; o fato de o governo não investir na qualificação da polícia não é
questionado; o fato de o governo ter um sistema prisional precário que não
recupera seus presos, também não é levado em consideração. Resta assim colocar
a culpa em alguém sem cara, sem identidade, ou seja, no usuário. Isenta-se a
culpa do governo, pois tudo isso não aconteceria se não existisse o usuário.
Será mesmo?
Pior do que ser contra ou a favor a legalização ou a
descriminalização das drogas, é a hipocrisia que envolve essa discussão, e aqui
entramos numa questão de um discurso vinculado pela televisão que se beneficia
com as desgraças promovidas pelo tráfico de drogas. Policiais invadindo favelas
em busca de traficantes se transforma em novela das oito; usuários presos se
transformam em Judas apedrejados por jornalistas defendendo pena de morte e
outras besteiras por aí. É interessante para os meios de comunicação tratar
superficialmente a questão da legalização ou descriminalização das drogas.
Muitas vezes, as pessoas que não querem discutir a questão
mal sabem sobre o assunto, mal sabem o que é que se está sendo discutido ou
proposto, não têm a mínima ideia de que os antidepressivos, remédios para
dormir, remédios para acordar, álcool, tabaco, cafeína, açúcar, entre outras
drogas, têm uma única diferença em relação à maconha: são liberados, são
socialmente aceitos. Efeitos colaterais todos têm, sendo que algumas das
substâncias citadas têm mais efeitos do que a própria maconha.
Muito se discute hoje sobre a legalização ou a
descriminalização das drogas, principalmente a maconha, e é importante que se
faça a distinção entre legalizar e descriminalizar: na Legalização ocorreria o
que acontece hoje com o comércio de bebidas; o governo legaliza a produção, o
consumo, a venda, fiscaliza a propaganda e coloca uma quantidade absurda de
impostos para enriquecer mais e mais a nata da política brasileira. Na
descriminalização ocorre algo parecido: o usuário não é mais preso por portar
ou consumir determinada substância, mas está sujeito a penas como prestação de
serviço comunitário ou medidas sócio-educativas.
A descriminalização deixaria de tratar o usuário como
criminoso tratando-o como dependente químico, assim como tratamos os
dependentes de álcool ou de comprimidos para dormir. Isso possibilitaria ao
usuário cultivar sua própria planta e consumir algo plantado no próprio
quintal, sem ter que procurar um traficante para comprá-la. Pode parecer
absurdo que alguém seja autorizado a plantar maconha no fundo de casa, mas é isso
que acontece em muitos países desenvolvidos que vêm nessa descriminalização
algo que eles chamam de “política de redução de danos”.
O governo desses países parte do princípio de que a pessoa
viciada em qualquer tipo de substância ilícita vai usá-la independente da
proibição do governo. No entanto, com a proibição tudo fica pior, para o
usuário e para a sociedade. O usuário para conseguir a droga tem que se render
aos traficantes, transitar com a droga e não ser pego pela polícia; na
utilização ainda corre o risco de contrair doenças transmitidas através do
compartilhamento de seringas infectadas. A sociedade também é prejudicada, pois
a polícia que deveria estar preocupada com outros tipos de crime, perde-se na
caça de usuários com pequenas quantidades de drogas, esses usuários muitas
vezes precisam roubar ou utilizam a droga em locais onde pessoas transitam a
todo momento.
Com a política de redução de danos o governo literalmente
reduz os danos de um usuário que já utilizaria a droga, reduzindo os riscos que
o dependente e seu vício traria para a sociedade. Aconteceria o mesmo se o
governo proibisse o sexo para que as pessoas não contraíssem DST’s, por
exemplo; as pessoas não se importariam com a proibição e continuariam se
relacionando. Partindo desse princípio, o governo distribui preservativos para
que as pessoas façam sexo sem que tenham os “efeitos colaterais”: doenças,
filhos não planejados, etc. Isso é uma política de redução de danos, em uma
comparação bem simplista.
Alguns países fornecem uma quantidade diária de droga para o
usuário, um lugar seguro e acompanhamento médico caso ele necessite. A ideia é
que, se o usuário vai utilizar a droga, que ele faça em um lugar que não
ofereça risco a ninguém, que ele não precise roubar para comprar a droga,
utilizando algo de qualidade e recebendo orientação médica. Ao oferecer tudo
isso ao usuário, o governo entende que aproximação e recuperação desses
viciados se torna mais fácil. Alguns alegam que nas ruas não conseguem ajuda
para sair das drogas e que diminuíram seu consumo depois que ela passou a ser
disponibilizada gratuitamente e com orientação.
Mas e se não existissem usuários de drogas? E se as drogas
não existissem? Alguma vez existiu um mundo sem drogas?
Criada por Robert Dudley, da Universidade da Califórnia em
Berkeley, temos a Hipótese do Macaco Bêbado (40 milhões A.C). Essa teoria diz
que os macacos, ao comerem as frutas caídas ao sol, ficavam literalmente
“chapados”. Isso acontece porque os açúcares contidos nas frutas, ao fermentar,
se transformam em álcool, que evapora indicando que a fruta está madura. Os primatas
teriam desenvolvido uma atração pelo álcool que os colocariam na frente da
corrida evolutiva, pois sentiam o cheiro da fruta madura permitindo o encontro
dos melhores alimentos. Esse traço evolutivo teria se perpetuado pelos nossos
genes, já que temos várias enzimas responsáveis pela digestão do álcool que não
teriam função caso o Homem não consumisse essa substância. O alcoolismo já um
problema desenvolvido a partir do momento em que o Homem começou a utilizar
bebidas com alto teor alcoólico, assim como a obesidade se tornou um problema
quando começamos a ter a nossa disposição mais alimentos, com mais calorias e
usufruir em demasia dessa disposição.
Conta de 2700 A.C o uso de cannabis na China, de 1300 A.C na
Assíria, o uso do ópio no Egito de 1000 A.C, em 500 A.C já se tomava vinho na Grécia.
Em 1492 Colombo traz sementes de Cannabis às Américas, em 1600 os Árabes
começaram a utilização do haxixe, em 1800 China e Inglaterra entram em guerra
pelo ópio, em 1885 Freud fazia experimentos com a cocaína que na Primeira
Guerra Mundial seria usada com fins medicinais. Em 1920 os EUA proibiram o
álcool e criando um dos maiores “traficantes” do mundo: Al Capone. Na Década de
60 os movimentos da contracultura utilizariam as drogas como forma de se
manifestar contra o conservadorismo, procurando novas formas de consciência e
de comportamento. Bob Marley já cantava “Legalize it, don't criticize it (...) Doctors smoke
it. Nurses smoke it. Judges smoke it. Even lawyer, too.” (Legalize, não critique (...) Doutores a
fumam, enfermeiras a fumam, juízes a fumam e até os advogados também a fumam).
Se não existissem usuários provavelmente não existiria a
indústria farmacêutica, a indústria do álcool e do tabaco. Não veríamos propagandas
de cerveja durante a tarde entre os tempos de uma partida de futebol, não tomaríamos
bebidas alcoólicas em festas de criança, mas tudo isso é permitido, incentivado
e dá lucro. Quem vai incentivar o uso da maconha para transtornos do sono sendo
que a industria farmacêutica ganha bilhões com a venda de Bromazepan, Lexotan,
Valium, Diazepam, Dalmadorm, Flurazepam, Tranxilene, Xanax, entre outros.
Experimente tirar o álcool do seu pai ou o calmante de sua mãe, a reação provavelmente
será a mesma daquele “drogado” dos jornais televisivos.
É preciso distinguir as coisas, como diria Tim Maia: tudo é
tudo e nada é nada. Na escala de malefícios com certeza a maconha é menos
nociva do que a cocaína, heroína, tabaco e álcool. Ainda não foi legalizada
justamente por que somos fruto de um discurso que faz com que acreditemos no
contrário, sem nos fornecer nenhum embasamento, típico de uma sociedade que
simplesmente quer ver seus cidadãos alienados e sem opinião, somente
reprodutores de ideias conservadoras e ultrapassadas, que visam atender a
interesses de uma parcela bem específica da sociedade. É preciso tratar o
usuário como um dependente químico, é preciso criar maneiras mais eficazes de
se combater as drogas, e com certeza não é essa que está aí.
Esse texto tenta fornecer algum embasamento, mesmo que de
maneira rápida, para incrementar a discussão em torno da legalização e
descriminalização das drogas. Informe-se e não pense como a televisão quer que
você pense.
Para terminar, um stand-up de Márcio Américo contrapondo os efeitos do álcool e da maconha.
Link para o download do documentário Quebrando o Tabu.
Que lixo de análise.
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