domingo, 27 de maio de 2012

Relação de poder e surrealismo em DIno Buzzati


Ao falar de autores italianos, sempre nos vem à cabeça os mesmos autores: Dante, Ítalo Calvino, Umberto Eco e talvez um Pirandello, diferente de quando conversamos com alguém a respeito de autores franceses, por exemplo, que aparentemente são mais numerosos, mais influentes, ou seja, quando vamos falar de autores que influenciaram algum movimento literário, ou são referência para alguma obra, costumamos lembrar sempre de autores ingleses, franceses, alemães, deixando, na maioria das vezes, os italianos de lado, a não ser quando falamos de Camões e automaticamente lembramos dos sonetos de Petrarca ou da Divina Comedia para compará-la, sob alguns aspectos, com Os Lusíadas. Enfim, a quantidade de autores, que não italianos, são mais lembrados nas mais variadas ocasiões.

Alguns dizem - e nesses “alguns” eu incluo teóricos e professores – que muito do que foi feito, principalmente pelos franceses e ingleses, é uma espécie de adaptação de histórias nascidas em território italiano, das quais, por exemplo, Shakespeare teria se aproveitado para criar duas de suas principais obras: Hamlet e Romeu e Julieta, e que teriam ganhado popularidade não pela sua origem italiana, mas pelas suas adaptações ou produto de suas influências, por artistas de países mais expansivos e consequentemente populares e influentes como por exemplo a França, que fez a história de Pierrot ser mais conhecida pela sua variante do que pela original criação na Commedia dell’Arte italiana.

Isso se deve um pouco pelo fato de que, enquanto a França entrava em um processo expansionista com Napoleão, a Inglaterra com o seu processo de industrialização, a Itália lutava para conseguir se unificar. Isso se reflete profundamente em sua literatura, basta ler um dos principais livros italianos “I promessi sposi” (Os noivos – no Brasil) de Alessandro Manzoni, único representante do romantismo que, mesmo sendo romântico, não apresenta características desse movimento como por exemplo a idealização, que não cabia naquele momento, carente de transformações reais.

Fatos esses fazem com que alguns bons autores italianos sejam esquecidos pelo grande público leitor. Como aluno do curso de Letras e estudante de italiano vou no decorrer dos tempos comentando alguns autores interessantes.

Comecemos falando de um autor que teve sua obra por muito tempo comparada a de Franz Kafka, por conterem temas em comum como o escárnio e expressão de impotência enfrentada diante de um mundo incompreensível, podendo também ser comparado com as obras de Camus e Sartre. Em suas histórias há o predomínio do mágico, do inesperado, o leitor fica preso à história até o último momento à espera de saber o que vai acontecer, se acontecerá algo inexplicável, ou se acontecerá o mais comum, tudo fica suspenso até a última linha. Atrás da aparente leveza da narrativa de conto de fadas estão as importantes questões abordadas pelo autor. Seu nome é DINO BUZZATI.

Escreveu romances, peças de teatro, peças para rádio, livretos, poesia, contos, contos com animais fantásticos, vários relatos para jornais; escreveu um livro infantil e um livro de comédia; elaborou roteiros de cinema e artigos.

O conto “Sete andares” apresenta algumas características fantásticas. Sete andares conta a história de Giuseppe Corte, que ao chegar em uma cidade resolve procurar uma famosa clínica para se curar de uma doença. Logo de início, o edifício lhe causara boa impressão, lembrava muito um hotel. Ao entrar, passa por um consulta superficial e é encaminhado para o sétimo andar. O hospital abriga, de andar em andar, os casos leves da doença, progressivamente, até o primeiro, destinado aos moribundos.

A grande sacada do conto é que o protagonista vai sendo rebaixado de nível, portanto piorando progressivamente, sem que sua doença agrave, sem que ele mereça ser rebaixado por motivos de doença, cada vez que o rebaixam de degrau no hospital não o fazem por motivos lógicos, aliás, eles não agem de modo lógico no hospital; um paciente que é transferido para uma sala de cirurgia só porque seu quarto está com problemas, não pode ser submetido a uma cirurgia por esse fato. A analogia serve para ilustrar o que acontece no conto.

Podemos começar a análise do conto com a simbologia do número sete. Na cultura cristã, o algarismo sete corresponde a sete céus, sete sóis, sete esferas da antiga astrologia hermética: Sol, Lua, Mercúrio, Marte, Vênus, Júpiter e Saturno; as sete virtudes cristãs (as teologias: fé, esperança e caridade; as cardeais: força, temperança, justiça e prudência); os sete pecados capitais: orgulho, preguiça, inveja, cólera, luxúria, gula e avareza; os sete sacramentos: batismo, eucaristia, ordem, confirmação, casamento, penitência e extrema-unção; os sete dias da criação do mundo narrados no gênesis, sete tabernáculos e sete trombetas de Jericó; no Apocalipse temos os sete candelabros, sete estrelas, sete selos, sete cornos, sete pragas e sete raios. Pode ainda corresponder às cores do arco-íris, as sete notas da escala musical.

Além dessas várias interpretações acerca do número sete, Chevalier e Gheerbrant consideram que ele simboliza “os sete graus de perfeição”, e que se refere ao ciclo positivo de mudança.

Temos então no início da narrativa a junção do número sete (representando a mudança positiva), o fato de a clínica ser a melhor para se tratar aquele tipo de doença e o fato de Giuseppe apresentar um quadro leve, indicando que ele não precisaria de tantos cuidados. Esses fatos juntos levam o leitor a pensar que o desfecho será favorável, criando a expectativa de que ao entrar na clínica ele sairia completamente curado.

Essa expectativa se dá do início até o fim da narrativa e é reforçada pelo uso do narrador onisciente, distanciando-se dos juízos de valor acerca da doença de Giuseppe. Se o narrador fosse o próprio personagem poderia haver uma opinião tendenciosa em relação a sua própria doença, seria a sua opinião e nós leitores não teríamos como confrontá-la.

No entanto, essa expectativa vai sendo quebrada ao longo da narrativa na relação de oposição entre a vontade do indivíduo, ou seja, do próprio Giuseppe, e da instituição, ou seja, o hospital.

Desde o momento em que Giuseppe entra no hospital e vai para o sétimo andar o narrador faz questão de manter um distanciamento entre ele, que possui levemente uma doença, e os pacientes do primeiro andar, que já não tem mais salvação. Esse distanciamento serve para acentuar o impacto na inversão que ocorrerá na narrativa, seria um absurdo um homem que está apenas com uma leve febre ser colocado num andar com pessoas perto da morte, no entanto é isso que o desenrolar da história vai nos mostrando.

O comentário feito pelo personagem quando o enfermeiro lhe pede que se mude de quarto e de andar já mostra como o humor negro conduzirá a narrativa, pois, do mesmo modo que o leitor cria uma expectativa positiva em relação ao destino do personagem, o próprio personagem também cria uma expectativa positiva em relação ao seu destino. Quando ele diz: “- Será (...) - Mas parece-me de mau agoiro.”, já começa a intuir que algo poderá dar errado com a sua estadia no hospital.

Conforme Giuseppe vai sendo rebaixado seu ânimo vai piorando, como se ele fosse afetado pelo meio em que estava, sua doença vai piorando ao invés de melhorar, ele vai percebendo que não pode lutar contra uma estrutura tão bem organizada como a do hospital. Neste momento podemos perceber também a transição na postura de Giuseppe, no início ele tem uma postura firme e vai aos poucos passando para uma possível passividade, que será intercalada com momentos de contestação, que dão um tom de humor ao conto.
A todo o momento Giuseppe vai sendo convencido de que deve ir para um andar mais baixo do hospital e o leitor começa a perceber que o motivo de sua piora pode ser o próprio hospital, lugar calmo e tranqüilo mas que se apresenta de modo enlouquecedor e de certa forma engraçado. As pessoas não se ouvem e parecem não ouvir o paciente, dando a impressão de que algo está sendo escondido e de que há algo pretendido com o “rebaixamento” do paciente. Este, por sua vez, se vê preso em uma maluca estrutura organizacional como se fosse uma marionete, a mercê do controle autoritário do hospital.

Através dessa estrutura “surda” e enlouquecedora Giuseppe vai passando por todos os andares até que chega ao primeiro andar, aproximando-se do seu final, aproximando-se do final de sua “via crucis (...) que se encerra perto das três da tarde, suposto horário da morte de Cristo.”

Com esse desfecho, cômico e desesperador, Dino Buzzati quebra com tudo que poderia ser esperado no inicio da narrativa. Ele expõe o despreparo humano diante do inesperado, diante da confrontação e critica a passividade diante das injustiças.
O momento em que foi escrito o conto (1942) era propicio a esse tipo de crítica, Hitler, Mussolini e seus sistemas autoritários estavam ainda em plena forma, mesmo que alguns já conseguissem visualizar seu fim.

Do mesmo modo como Giuseppe foi conduzido ao seu fim, autoritariamente e sem explicação, manipulado pelos mandos e desmandos do hospital, a sociedade italiana, entre outras, também se viam presas a regimes autoritários que faziam o que bem entendiam com a população, essa sempre a acreditar que tudo poderia melhorar e que logo eles voltariam ao sétimo andar.

O conto é muito instigante e faz pensar sobre muitos aspectos da nossa própria realidade, o modo como às vezes somos conduzidos para o primeiro andar sem nem perceber. Vale a pena lê-lo.

Texto disponível no blog: http://cabana-on.com/Contos/Ficcao/ficcao28.html

Quer saber mais sobre o surrealismo e sobre outros contos de Dino Buzzati? Nesse link está disponível uma dissertação que detalha mais o autor: http://ebookbrowse.com/dissertacao-paula-parise-pinto-pdf-d50693543

sábado, 19 de maio de 2012

Willy Wonka – Transtorno de personalidade e pecados capitais



Noite de terça feira e, apesar do cansaço e a vontade de dormir, acabo sentando em frente à TV. Mudando os canais vejo que o SBT está passando (pela 1000ª vez) “A fantástica fábrica de chocolate”. Novamente deixo meu medo dos Oompa-Loompas de lado e resolvo assistir ao filme.

Falar de Tim Burton e Johnny Depp é chover no molhado. Já está mais do que provado que a parceria entre os dois é um sucesso. A atmosfera criada por Tim Burton, não só nesse filme, como em outros de sua direção, é algo fantástico (com o perdão do trocadilho). Cenários surreais, cores em demasia e um mundo onírico. Johnny Depp não deixa pra trás e com suas interpretações dá vida aos personagens que estão na cabeça do Sr. Burton. A análise desses elementos e dessa parceria fica para uma próxima vez.

O que me deixou mais espantado nesse filme, algo que eu já tinha percebido outras vezes, que pode não ser novidade para ninguém, mas que dessa vez foi mais intensa a ponto de me levar a escrever essas inconsistências, foi o fato de que esse filme é algo tenebroso, que passa longe de ser um filme para criança ou engraçado no sentido pastelão zorra total ou comédia estilo Adam Sandler ou que vai te fazer relaxar e dar boas risadas. Seu humor, ou poderíamos dizer sarcasmo, é inteligente e incômodo.

Mas vamos ao que interessa. Porque transtornos psicológicos e pecados capitais? Se pensarmos na figura do personagem Willy Wonka.perceberemos a relação desses três “temas” e como elas aparecem no filme.

Como dono da fábrica de chocolates, resolve abrir um concurso para escolher uma criança para herdar seu patrimônio. Para isso, esconde tíquetes dourados em barras de chocolate escolhendo aleatoriamente os participantes do “teste”. São os participantes: Augustus Gloop, menino comilão, mal educado e desagradável que entra na disputa por comer muito chocolate, o que lhe deu mais chances de conseguir o tíquete, e por ter a oportunidade de comer mais e mais entrando na fábrica. Violet Beauregarde, campeã mascadora de chicletes, apresenta uma personalidade competitiva e arrogante entrando na disputa simplesmente pela competição e por querer ganhar a todo custo. Veruca Salt, garota rica, mimada que consegue tudo que quer, inclusive, através do poder aquisitivo do pai, um tíquete dourado. Mike Teevee, menino viciado em vídeo games e eletrônicos em geral. O último, mas não menos importante, Charlie Bucket, menino pobre e inteligente, que consegue com muita dificuldade e sorte encontrar um tíquete dourado, possibilitando a entrada de seu avô, que conhecia muitas histórias sobre a fábrica.

Com uma rápida análise dos personagens, podemos perceber que eles, exceto Charlie, apresentam vícios, desvios de conduta, que vão ser criticados pelas músicas cantadas pelos Oompa-Loompas, e vão ser castigados ao desobedecer as regras impostas por Willy Wonka. Cada personagem, com seu “defeito”, representa um pecado capital; o menino comilão representa a gula, a soberba é representada pela menina arrogante e orgulhosa, o apego aos bens materiais e o prazer material deixam Veruca Salt com dois pecados: avareza e luxúria; quem também pode representar dois pecados capitais é o menino Mike Teevee: ira e inveja.

Os personagens vão sendo eliminados do teste pelo abuso desses “pecados”, como se fossem expulsos do paraíso. Ao desobedecer as regras de Willy Wonka, recebem um castigo físico e moral. O primeiro personagem a ser eliminado é Augustus Gloop. A sua gula fez com que ele quebrasse a regra de não poder tocar no chocolate. Ao desobedecer a regra, o menino cai em um rio de chocolate, é sugado por uma máquina e Willy Wonka observa tudo tranquilamente enquanto os Oompa-Loompas cantam uma canção:

Augustus Gloop, o comilão, um grande bobo trapalhão. Augustus Gloop, tão grande e vil, desagradável e infantil. Já era tempo e sem engano, de expulsá-lo pelo cano. Mas não precisam se alarmar, porque não vai se machucar!, porque não vai se machucar! Nós temos que reconhecer, modificado deve ser. As engrenagens vão girar, pra triturar e martelar. O porcalhão descomunal vai ser amado, afinal, pois quem irá desmerecer um bom bocado de glacê?

Violet Beauregarde, com arrogância ignora o conselho dado por Willy e come um chicletes ainda em fase de testes que a transforma em uma amora gigante. Os Oompa-Loompas cantam novamente uma canção enquanto Willy Wonka parece não se importar.

Atenção, está no ar a senhorita Beauregarde, que não se cansa de ficar mastigando, mastigando, mastigando sem parar. Mastigando sem parar, mastigando sem parar, mastigando sem parar. A sua boca já inchou de tanto que ela mastigou, bochechas grandes como um sino, o queixo igual a um violino. Mastigando sem parar, mastigando sem parar, mastigando, mastigando, mastigando sem parar. A cada dia crescem mais mandíbulas fenomenais, e com um baita mordidão, ao meio a língua cortarão. Por isso a gente vai tentar salvar a pobre Beauregarde. Mastigando sem parar, mastigando sem parar, mastigando, mastigando, mastigando sem parar. Mastigando sem parar. Mastigando sem parar

Veruca Salt pede ao pai um esquilo da fábrica de chocolates. No entando, Willy Wonka não está disposto a vender, o que faz com que a menina esperneie pedindo ao pai, que por sua vez não tem muito a fazer diante da situação. Ela decide roubar um esquilo, mesmo contrariando Willy. O resultado é que ela é atacada por esses esquilos, sem que ninguém faça nada em uma cena um tanto quanto violenta. Logo depois há a canção feita especialmente para ela:

Veruca Salt, a sem-noção, desceu pra dentro do lixão. E lá embaixo vai achar amigos novos pra brincar. Amigos novos pra brincar, amigos novos pra brincar! Se quer exemplo, aqui vai um: cabeça e cauda de um atum; uma ostra de um pirão qualquer; um bife que ninguém mais quer; e outras coisas sem valor, mas todas com o seu fedor! Que fedor! É o que a Veruca vai achar: amigos novos pra brincar! Que lá embaixo, vai achar! Quem é culpado por mimar e a garota estragar? Quem é que não a educou? Quem é culpado? Quem errou? A culpa é de quem já vai: da sua mãe e do seu pai!!!

Mike Teevee é o último a ter seu castigo. Willy Wonka lhe mostra uma máquina que consegue “teletransportar” uma barra de chocolate de um lugar a outro. Mike, mostrando um comportamento acelerado e nervoso, invejando o invento de Wonka e desprezando o fato dele não querer explorar mais seu invento, aplicando-o aos seres humanos, resolve testar o equipamento em si mesmo, contrariando as instruções do inventor. A máquina possuía dois problemas: é unidirecional e todo corpo é diminuído nesse processo.

A coisa principal temos que dizer. A coisa principal que diz respeito a todo aprendiz é, nunca permitir só ver televisão. Evite mesmo instalar a idiotice no seu lar. Nunca, nunca deixe. Nunca, nunca deixe. Nunca, nunca deixe. Nunca, nunca deixe. A mente faz apodrecer e as idéias perecer. E ela vai te transformar num paspalhão bobão demais. Bobão demais! Bobão demais! Se não consegue entender e as fábulas compreender. As fábulas! As fábulas! E a memória supor e ser, travada, enferrujada até, não quer pensar, somente ver! E quanto ao Mikezinho Teavee, nós lamentamos lhes dizer, que lástima! Só vamos nos sentar e ver. Nós lamentamos lhes dizer, só vamos esperar e ver se ao seu tamanho vai voltar, mas se não der... bem-feito está!

Enquanto as crianças são punidas por seu desrespeito, Willy Wonka não esboça nenhuma reação de pena ou toma alguma atitude para ajudá-los mostrando uma certa satisfação ao ver o sofrimento alheio. Willy Wonka é um personagem extremamente sádico e irônico – tendo essa sua vertente irônica explorada com frequência pelos usuários do facebook através de sua imagem seguida de duas frases, uma questionando a outra em tom irônico. 



Esse sadismo é causado por um transtorno de personalidade que gera uma interpretação errônea de um estímulo externo, como acontece no momento de recepção das crianças em que o teatro criado pra recebê-las pega fogo. Não é uma cena magnífica como ele afirma ao final do teatro, é algo macabro e de mal gosto, no entanto, ele se mostra entusiasmado com o resultado trágico. Ao ver as crianças sendo castigadas, sua reação também não condiz com a de uma pessoa “normal".




Os problemas com o pai na infância certamente influenciaram a formação de seu caráter e no desenvolvimento desses transtornos psicológicos. Seu comportamento antissocial e a falta de qualquer tipo de intimidade e afeto com seres humanos é notado pelo seu comportamento esquivo e a falta de proximidade com os visitantes da fábrica. Ele somente consegue criar uma proximidade com Charlie, vencedor do teste, que se nega a abandonar a família para se tornar dono da fábrica. Willy por várias vezes no filme relembra seu passado através de atitudes de Charlie, sendo que ele é quem o liga ao passado e faz com que ele consiga lidar com os problemas do presente.

Charlie não sofre nenhum castigo e por sua humildade acaba vencendo a gincana proposta por Willy. No final das contas há uma espécie de moral da história, os bons e humildes vencem, enquanto os pecadores, os arrogantes e os desrespeitosos são punidos para aprenderem a lição. Isso não desmerece a obra em si, mas pode ser levada para o lado da moral religiosa. Algo parecido ocorre com “Auto da barca do inferno” de Gil Vicente, em que a barca do Inferno vai lotada de personagens pecadores que, mesmo depois de mortos, não se arrependem do que fizeram em vida. Ambas podem ser encaradas como obras de tom moralizante.

O intuito do texto não é explorar nem se estender em conceitos referentes à psicologia, mas analisar elementos que se relacionam dentro de uma obra de uma maneira simples e acessível a quem quiser ver o filme não só como entretenimento, mas como objeto de reflexão e aprendizado.

domingo, 13 de maio de 2012

FELIZ DIA DAS MÃES ROGER WATERS






Nesse dia em que os filhos se lembram de suas mães, os presentes são dados, os restaurantes estão cheios e as homenagens são feitas, vale a pena lembrar de uma das mães mais famosas do rock: a mãe de Roger Waters. No entanto, a homenagem feita à senhora Mary Fletcher Waters não foi tão romântica assim.

Após a morte de seu pai, na Segunda Guerra Mundial, Roger Waters, com apenas cinco meses, passa a viver somente com sua mãe superprotetora, e a falta da figura paterna desencadeia uma série de transtornos em sua personalidade, como podemos perceber no problemático e sombrio personagem Pink criado por ele para a ópera rock “The Wall”.

A mãe criada por Waters nada tem a ver com aquela mãe idealizada, romântica; a mãe criada por ele é uma mãe que o protege em uma realidade de autoproteção, castração e medo, afastando-o dos perigos que um dia, sozinho, terá que enfrentar. No clipe acima podemos perceber que, mesmo adulto e teoricamente consciente dos seus atos e há algum tempo já desvencilhado das amarras maternas, Pink ainda não consegue pular o muro construído à sua volta pela própria mãe.

A música, baseada no jogo de perguntas, estabelecendo um diálogo entre Pink e sua mãe, mostra a insegurança do filho em relação às angústias da vida, em relação a que caminho tomar, já que até então todos os caminhos haviam sido tomados por ela. Percebemos essa insegurança nos primeiros versos da música: Mother, do you think they'll drop the bomb?/Mother, do you think they'll like this song?/Mother, do you think they'll try to break my balls?/Mother, should I build the wall?/Mother, should I run for president?/Mother, should I trust the government?/Mother, will they put me in the firing line?/Is it just a waste of time?.

A fala da mãe, no entanto, não responde às suas angústias, não responde às perguntas feitas por Pink, por talvez julgar que elas não devam ser ditas a ele a fim de protegê-lo, a fim de lhe esconder as verdadeiras respostas. Nessa intenção protetora, ela coloca mais um tijolo no muro em volta de Pink.

A segunda parte da música revela a parte mais interessante da relação de Pink com sua mãe e é nesse momento que a teoria psicanalítica entra. Quando Pink diz “Mother, do you think she's good enough/For me?/Mother, do you think she's dangerous/To me?/Mother will she tear your little boy apart?/Mother, will she break my heart?, podemos pensar na teoria desenvolvida por Freud do “Complexo de Édipo”, que se caracteriza pelo sentimento contraditório de amor à figura materna e hostilidade à figura paterna.

Tal teoria foi desenvolvida por Freud tem como base o personagem principal de “Rei - Édipo”, tragédia grega escrita por Sófocles. Na tragédia, Édipo, sem saber o que fazia, mata seu pai Laio e casa-se com sua mãe Jocasta. Ao descobrir o acontecido, fura os próprios olhos numa atitude auto-punitiva.

Ao se desenvolver, a criança começando a reconhecer-se como sujeito separado de seus pais, encontra no pai a figura da ordem e na mãe a figura de uma espécie de “primeiro amor” e de proteção. Ao perceber que a mãe pertence ao pai, desenvolve-se uma certa hostilidade a ele. O fato de Pink crescer sem o pai gera um duplo sentimento de contradição em relação à mãe, ele não a disputa com ninguém, mas também não pode obtê-la.

Freud ainda dizia que na impossibilidade de se relacionar com a mãe – ou com o pai, no caso das meninas – o indivíduo passa a vida toda, mesmo que de forma inconsciente, buscando um parceiro que possua as características dos pais. Pink, novamente inseguro, só que dessa vez em relação ao relacionamento, busca na mãe a aprovação de seus pares, como percebemos no trecho acima. É como se a mãe tivesse que aprovar alguém a sua altura para poder relacionar-se com o filho, porém, quem busca a aprovação em si mesmo das pretendentes é o próprio Pink. O resultado é que ele não consegue levar seu relacionamento adiante pela impossibilidade de encontrar a própria mãe e pela castração que isso lhe causa.

É claro que o caso de Roger Waters exteriorizado na forma do personagem Pink é carregado de sentimentos exagerados, e não no sentido negativo do exagero, mas no sentido de perceber algo que acaba sendo recorrente na maioria das mães e que só percebemos se for arregaçado em nossa frente. A proteção é algo natural, saudável e importante para o ser humano, a crítica aqui fica por conta das mães que não entendem que em um determinado momento da vida seu bebê cresce e começa a andar com as próprias pernas, se tornando um comportamento doentio de superproteção.

Ainda dá tempo, dê um abraço na sua mãe, afinal, “Momma's gonna keep baby healthy and clean”