sábado, 19 de maio de 2012

Willy Wonka – Transtorno de personalidade e pecados capitais



Noite de terça feira e, apesar do cansaço e a vontade de dormir, acabo sentando em frente à TV. Mudando os canais vejo que o SBT está passando (pela 1000ª vez) “A fantástica fábrica de chocolate”. Novamente deixo meu medo dos Oompa-Loompas de lado e resolvo assistir ao filme.

Falar de Tim Burton e Johnny Depp é chover no molhado. Já está mais do que provado que a parceria entre os dois é um sucesso. A atmosfera criada por Tim Burton, não só nesse filme, como em outros de sua direção, é algo fantástico (com o perdão do trocadilho). Cenários surreais, cores em demasia e um mundo onírico. Johnny Depp não deixa pra trás e com suas interpretações dá vida aos personagens que estão na cabeça do Sr. Burton. A análise desses elementos e dessa parceria fica para uma próxima vez.

O que me deixou mais espantado nesse filme, algo que eu já tinha percebido outras vezes, que pode não ser novidade para ninguém, mas que dessa vez foi mais intensa a ponto de me levar a escrever essas inconsistências, foi o fato de que esse filme é algo tenebroso, que passa longe de ser um filme para criança ou engraçado no sentido pastelão zorra total ou comédia estilo Adam Sandler ou que vai te fazer relaxar e dar boas risadas. Seu humor, ou poderíamos dizer sarcasmo, é inteligente e incômodo.

Mas vamos ao que interessa. Porque transtornos psicológicos e pecados capitais? Se pensarmos na figura do personagem Willy Wonka.perceberemos a relação desses três “temas” e como elas aparecem no filme.

Como dono da fábrica de chocolates, resolve abrir um concurso para escolher uma criança para herdar seu patrimônio. Para isso, esconde tíquetes dourados em barras de chocolate escolhendo aleatoriamente os participantes do “teste”. São os participantes: Augustus Gloop, menino comilão, mal educado e desagradável que entra na disputa por comer muito chocolate, o que lhe deu mais chances de conseguir o tíquete, e por ter a oportunidade de comer mais e mais entrando na fábrica. Violet Beauregarde, campeã mascadora de chicletes, apresenta uma personalidade competitiva e arrogante entrando na disputa simplesmente pela competição e por querer ganhar a todo custo. Veruca Salt, garota rica, mimada que consegue tudo que quer, inclusive, através do poder aquisitivo do pai, um tíquete dourado. Mike Teevee, menino viciado em vídeo games e eletrônicos em geral. O último, mas não menos importante, Charlie Bucket, menino pobre e inteligente, que consegue com muita dificuldade e sorte encontrar um tíquete dourado, possibilitando a entrada de seu avô, que conhecia muitas histórias sobre a fábrica.

Com uma rápida análise dos personagens, podemos perceber que eles, exceto Charlie, apresentam vícios, desvios de conduta, que vão ser criticados pelas músicas cantadas pelos Oompa-Loompas, e vão ser castigados ao desobedecer as regras impostas por Willy Wonka. Cada personagem, com seu “defeito”, representa um pecado capital; o menino comilão representa a gula, a soberba é representada pela menina arrogante e orgulhosa, o apego aos bens materiais e o prazer material deixam Veruca Salt com dois pecados: avareza e luxúria; quem também pode representar dois pecados capitais é o menino Mike Teevee: ira e inveja.

Os personagens vão sendo eliminados do teste pelo abuso desses “pecados”, como se fossem expulsos do paraíso. Ao desobedecer as regras de Willy Wonka, recebem um castigo físico e moral. O primeiro personagem a ser eliminado é Augustus Gloop. A sua gula fez com que ele quebrasse a regra de não poder tocar no chocolate. Ao desobedecer a regra, o menino cai em um rio de chocolate, é sugado por uma máquina e Willy Wonka observa tudo tranquilamente enquanto os Oompa-Loompas cantam uma canção:

Augustus Gloop, o comilão, um grande bobo trapalhão. Augustus Gloop, tão grande e vil, desagradável e infantil. Já era tempo e sem engano, de expulsá-lo pelo cano. Mas não precisam se alarmar, porque não vai se machucar!, porque não vai se machucar! Nós temos que reconhecer, modificado deve ser. As engrenagens vão girar, pra triturar e martelar. O porcalhão descomunal vai ser amado, afinal, pois quem irá desmerecer um bom bocado de glacê?

Violet Beauregarde, com arrogância ignora o conselho dado por Willy e come um chicletes ainda em fase de testes que a transforma em uma amora gigante. Os Oompa-Loompas cantam novamente uma canção enquanto Willy Wonka parece não se importar.

Atenção, está no ar a senhorita Beauregarde, que não se cansa de ficar mastigando, mastigando, mastigando sem parar. Mastigando sem parar, mastigando sem parar, mastigando sem parar. A sua boca já inchou de tanto que ela mastigou, bochechas grandes como um sino, o queixo igual a um violino. Mastigando sem parar, mastigando sem parar, mastigando, mastigando, mastigando sem parar. A cada dia crescem mais mandíbulas fenomenais, e com um baita mordidão, ao meio a língua cortarão. Por isso a gente vai tentar salvar a pobre Beauregarde. Mastigando sem parar, mastigando sem parar, mastigando, mastigando, mastigando sem parar. Mastigando sem parar. Mastigando sem parar

Veruca Salt pede ao pai um esquilo da fábrica de chocolates. No entando, Willy Wonka não está disposto a vender, o que faz com que a menina esperneie pedindo ao pai, que por sua vez não tem muito a fazer diante da situação. Ela decide roubar um esquilo, mesmo contrariando Willy. O resultado é que ela é atacada por esses esquilos, sem que ninguém faça nada em uma cena um tanto quanto violenta. Logo depois há a canção feita especialmente para ela:

Veruca Salt, a sem-noção, desceu pra dentro do lixão. E lá embaixo vai achar amigos novos pra brincar. Amigos novos pra brincar, amigos novos pra brincar! Se quer exemplo, aqui vai um: cabeça e cauda de um atum; uma ostra de um pirão qualquer; um bife que ninguém mais quer; e outras coisas sem valor, mas todas com o seu fedor! Que fedor! É o que a Veruca vai achar: amigos novos pra brincar! Que lá embaixo, vai achar! Quem é culpado por mimar e a garota estragar? Quem é que não a educou? Quem é culpado? Quem errou? A culpa é de quem já vai: da sua mãe e do seu pai!!!

Mike Teevee é o último a ter seu castigo. Willy Wonka lhe mostra uma máquina que consegue “teletransportar” uma barra de chocolate de um lugar a outro. Mike, mostrando um comportamento acelerado e nervoso, invejando o invento de Wonka e desprezando o fato dele não querer explorar mais seu invento, aplicando-o aos seres humanos, resolve testar o equipamento em si mesmo, contrariando as instruções do inventor. A máquina possuía dois problemas: é unidirecional e todo corpo é diminuído nesse processo.

A coisa principal temos que dizer. A coisa principal que diz respeito a todo aprendiz é, nunca permitir só ver televisão. Evite mesmo instalar a idiotice no seu lar. Nunca, nunca deixe. Nunca, nunca deixe. Nunca, nunca deixe. Nunca, nunca deixe. A mente faz apodrecer e as idéias perecer. E ela vai te transformar num paspalhão bobão demais. Bobão demais! Bobão demais! Se não consegue entender e as fábulas compreender. As fábulas! As fábulas! E a memória supor e ser, travada, enferrujada até, não quer pensar, somente ver! E quanto ao Mikezinho Teavee, nós lamentamos lhes dizer, que lástima! Só vamos nos sentar e ver. Nós lamentamos lhes dizer, só vamos esperar e ver se ao seu tamanho vai voltar, mas se não der... bem-feito está!

Enquanto as crianças são punidas por seu desrespeito, Willy Wonka não esboça nenhuma reação de pena ou toma alguma atitude para ajudá-los mostrando uma certa satisfação ao ver o sofrimento alheio. Willy Wonka é um personagem extremamente sádico e irônico – tendo essa sua vertente irônica explorada com frequência pelos usuários do facebook através de sua imagem seguida de duas frases, uma questionando a outra em tom irônico. 



Esse sadismo é causado por um transtorno de personalidade que gera uma interpretação errônea de um estímulo externo, como acontece no momento de recepção das crianças em que o teatro criado pra recebê-las pega fogo. Não é uma cena magnífica como ele afirma ao final do teatro, é algo macabro e de mal gosto, no entanto, ele se mostra entusiasmado com o resultado trágico. Ao ver as crianças sendo castigadas, sua reação também não condiz com a de uma pessoa “normal".




Os problemas com o pai na infância certamente influenciaram a formação de seu caráter e no desenvolvimento desses transtornos psicológicos. Seu comportamento antissocial e a falta de qualquer tipo de intimidade e afeto com seres humanos é notado pelo seu comportamento esquivo e a falta de proximidade com os visitantes da fábrica. Ele somente consegue criar uma proximidade com Charlie, vencedor do teste, que se nega a abandonar a família para se tornar dono da fábrica. Willy por várias vezes no filme relembra seu passado através de atitudes de Charlie, sendo que ele é quem o liga ao passado e faz com que ele consiga lidar com os problemas do presente.

Charlie não sofre nenhum castigo e por sua humildade acaba vencendo a gincana proposta por Willy. No final das contas há uma espécie de moral da história, os bons e humildes vencem, enquanto os pecadores, os arrogantes e os desrespeitosos são punidos para aprenderem a lição. Isso não desmerece a obra em si, mas pode ser levada para o lado da moral religiosa. Algo parecido ocorre com “Auto da barca do inferno” de Gil Vicente, em que a barca do Inferno vai lotada de personagens pecadores que, mesmo depois de mortos, não se arrependem do que fizeram em vida. Ambas podem ser encaradas como obras de tom moralizante.

O intuito do texto não é explorar nem se estender em conceitos referentes à psicologia, mas analisar elementos que se relacionam dentro de uma obra de uma maneira simples e acessível a quem quiser ver o filme não só como entretenimento, mas como objeto de reflexão e aprendizado.

10 comentários:

  1. Cara, não vi o filme, então não posso "criticar" nem opinar sobre "isso ou aquilo" do texto. Mas a idéia de mostrar um outro lado do filme foi bem interessante, e como sempre, empregando muito bem as palavras.

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  2. Encontrar referências em uma obra é mostrar que as coisas não estão ali por acaso e que um filme ou uma música pode oferecer muito mais do que puro lazer e descontração. Valeu Dieguito pelo elogio hehe
    Aguarde os próximos textos.
    Abrass

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  3. A Arte em geral, na maioria das vezes oferece muito mais do que lazer e descontração. Abraço meu querido.

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  4. Minha nossa, ao assistir ao filme que está passando hoje mesmo na TV, percebi a referência aos pecados capitais e vim conferir na internet. Por acaso, encontrei uma pessoa que completou minhas suspeitas. Muito obrigado pelo Post, sucesso!

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  5. Parabéns pelo post. Incrível descrição. Perfeito.

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  6. Muito boa descrição, vou ler o conto desse filme ,obrigado

    Abraços

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  7. Acabei para em seu blig depois decteimar inumeras cezes que as crianças representavam os 7 pecados capitais. Vim pesquisar para ver se era loucura minha. Mas você foi além. Muito legal.

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