Nesse dia em que os filhos se
lembram de suas mães, os presentes são dados, os restaurantes estão cheios e as
homenagens são feitas, vale a pena lembrar de uma das mães mais famosas do
rock: a mãe de Roger Waters. No entanto, a homenagem feita à senhora Mary
Fletcher Waters não foi tão romântica assim.
Após a morte de seu pai, na Segunda
Guerra Mundial, Roger Waters, com apenas cinco meses, passa a viver somente com
sua mãe superprotetora, e a falta da figura paterna desencadeia uma série de
transtornos em sua personalidade, como podemos perceber no problemático e
sombrio personagem Pink criado por ele para a ópera rock “The Wall”.
A mãe criada por Waters nada tem a
ver com aquela mãe idealizada, romântica; a mãe criada por ele é uma mãe que o
protege em uma realidade de autoproteção, castração e medo, afastando-o dos
perigos que um dia, sozinho, terá que enfrentar. No clipe acima podemos
perceber que, mesmo adulto e teoricamente consciente dos seus atos e há algum
tempo já desvencilhado das amarras maternas, Pink ainda não consegue pular o
muro construído à sua volta pela própria mãe.
A música, baseada no jogo de
perguntas, estabelecendo um diálogo entre Pink e sua mãe, mostra a insegurança
do filho em relação às angústias da vida, em relação a que caminho tomar, já
que até então todos os caminhos haviam sido tomados por ela. Percebemos essa
insegurança nos primeiros versos da música: Mother, do you think they'll drop the bomb?/Mother,
do you think they'll like this song?/Mother, do you think they'll try to break
my balls?/Mother, should I build the wall?/Mother, should I run for president?/Mother,
should I trust the government?/Mother, will they put me in the firing line?/Is
it just a waste of time?.
A fala da mãe, no entanto, não responde às suas angústias, não responde
às perguntas feitas por Pink, por talvez julgar que elas não devam ser ditas a
ele a fim de protegê-lo, a fim de lhe esconder as verdadeiras respostas. Nessa
intenção protetora, ela coloca mais um tijolo no muro em volta de Pink.
A segunda
parte da música revela a parte mais interessante da relação de Pink com sua mãe
e é nesse momento que a teoria psicanalítica entra. Quando Pink diz “Mother, do you think she's good enough/For
me?/Mother, do you think she's dangerous/To me?/Mother will she tear your
little boy apart?/Mother, will she break my heart?, podemos pensar na
teoria desenvolvida por Freud do “Complexo de Édipo”, que se caracteriza pelo
sentimento contraditório de amor à figura materna e hostilidade à figura paterna.
Tal teoria foi desenvolvida por Freud tem como base o personagem principal
de “Rei - Édipo”, tragédia grega escrita por Sófocles. Na tragédia, Édipo, sem
saber o que fazia, mata seu pai Laio e casa-se com sua mãe Jocasta. Ao
descobrir o acontecido, fura os próprios olhos numa atitude auto-punitiva.
Ao se desenvolver, a criança começando a reconhecer-se como sujeito
separado de seus pais, encontra no pai a figura da ordem e na mãe a figura de
uma espécie de “primeiro amor” e de proteção. Ao perceber que a mãe pertence ao
pai, desenvolve-se uma certa hostilidade a ele. O fato de Pink crescer sem o
pai gera um duplo sentimento de contradição em relação à mãe, ele não a disputa
com ninguém, mas também não pode obtê-la.
Freud ainda dizia que na impossibilidade de se relacionar com a mãe – ou
com o pai, no caso das meninas – o indivíduo passa a vida toda, mesmo que de
forma inconsciente, buscando um parceiro que possua as características dos
pais. Pink, novamente inseguro, só que dessa vez em relação ao relacionamento,
busca na mãe a aprovação de seus pares, como percebemos no trecho acima. É como
se a mãe tivesse que aprovar alguém a sua altura para poder relacionar-se com o
filho, porém, quem busca a aprovação em si mesmo das pretendentes é o próprio Pink.
O resultado é que ele não consegue levar seu relacionamento adiante pela
impossibilidade de encontrar a própria mãe e pela castração que isso lhe causa.
É claro que o caso de Roger Waters exteriorizado na forma do personagem
Pink é carregado de sentimentos exagerados, e não no sentido negativo do
exagero, mas no sentido de perceber algo que acaba sendo recorrente na maioria
das mães e que só percebemos se for arregaçado em nossa frente. A proteção é
algo natural, saudável e importante para o ser humano, a crítica aqui fica por
conta das mães que não entendem que em um determinado momento da vida seu bebê
cresce e começa a andar com as próprias pernas, se tornando um comportamento
doentio de superproteção.
Ainda dá tempo, dê um abraço na sua mãe, afinal, “Momma's gonna
keep baby healthy and clean”
Excelente análise Dorfão. Muito boa. Eu ouvia essa música mais pensando no pai de Roger Waters e sua busca pelo conforto da mãe devido a ausencia dele. Não sabia que ele era tão novo quando o pai morreu.
ResponderExcluirO pai dele morreu bem cedo mesmo. Assista ao filme, mostra bastante essa (não) relação com o pai dele que acabou se refletindo na personalidade e consequentemente nas obras dele, o dark side tem algumas referências ao pai dele também.
Excluir"Of course mamma is gonna help build the wall"
ResponderExcluirSua análise tá beeem legal, de verdade. Acredito que quase toda mãe tem uma fase "Pink's Mother" e que a superação dessa fase, assim como o alcance de um estado de maioridade mental (Kant) por parte da cria pode ser facilitada se houver um esforço de compreensão das duas partes. Mães e filhos só tem a crescer se entenderem que, em geral, um só quer o bem-estar e desenvolvimento do outro e todos possuímos características herdadas e próprias.
Abraaaaaaço, Dorfão!