sábado, 2 de junho de 2012

Fahrenheit 451 – Estaríamos nós queimando livros?


Começo do ano, mês de Janeiro, todos de férias cheios de nada pra fazer e eis que surge o BBB 12. Euforia para todo lado, uns defendem; outros criticam; alguns criticam os que defendem e, os que defendem acusam os que criticam de falsos intelectuais. Por isso esse post não está atrasado cinco meses e sim adiantado seis meses justamente para não ser acusado nem defendido por nenhum fanático. A distância temporal, tanto do que se passou quanto do que há por vir, me garante certa isenção para começar meu assunto a partir do famigerado BBB.

No calor da discussão via Facebook, circulou uma montagem com os dizeres “A cada vez que você assiste BBB um livro comete suicídio”. O que essa montagem queria dizer era justamente o que a MTV disse durante bastante tempo com o seu “Desligue a televisão e vá ler um livro”, deixando de exibir sua programação normal para deixar uma tela preta com essa frase, no intuito de que se aproveitasse esse tempo sem programação para ler algo. Não vamos discutir aqui a validade dessas manifestações. Em um país onde a televisão chegou antes de se criar o hábito da leitura, romper com essa “tradição” não é tão simples assim.

O intuito desse texto é discutir, partindo dessa imagem de “protesto”, a relação leitura vs cultura de massa, analisar um filme que aborda com mais profundidade essa relação e outros temas como a dominação dos meios de comunicação: Fahrenheit 451 é baseado no romance homônimo de Ray Bradbury e dirigido por François Truffaut em 1966. No filme não há o suicídio dos livros, mas uma alegoria próxima a essa; no filme há a queima dos livros.

 



O fato de queimar um livro pode ser interpretado como o desprezo e descaso que a sociedade tem pelo mesmo, e isso se dá não só pela opção de se assistir a um programa de televisão. A leitura não é algo instigado pelas escolas ou pela televisão (maior meio de comunicação disputando, talvez, esse posto com a internet). Não há a disseminação da ideia de que a leitura é importante para a formação de um cidadão reflexivo e crítico, e quando há algo relacionado à literatura nas escolas é dado de maneira desinteressada e chata por parte de alguns professores, que mesmo no posto em que estão não acreditam naquilo que lecionam.

O governo não investe em educação e leitura e consequentemente queima livros quando deixa de criar bibliotecas, quando deixa de criar programas que incentivem a leitura ou que permita o acesso aos livros por parte da população de baixa renda, que não dá subsídios para que os livros sejam mais baratos e acessíveis e nesse ponto as editoras também queimam seus próprios livros.

Nós, estudantes de letras, queimamos nossos livros cada vez que deixamos de ler uma obra e interpretá-la de acordo com nosso ponto de vista para ler apenas a crítica e reproduzi-la como se a leitura dos teóricos fosse a única e absoluta verdade acerca da obra em pauta. Todorov, em seu livro “Literatura em perigo” critica esse “hábito” dos professores de priorizarem a teoria a respeito das obras em vez de fazer com que os alunos apreciem a obra, se deliciem com o primeiro contato, sem que esse seja intermediado por um teórico ou até mesmo pelo próprio professor. Depois desse primeiro contato com a literatura de fato, depois das primeiras impressões o aluno procuraria embasamento teórico para enriquecer o conhecimento a respeito do que foi lido. Sabemos que nem sempre é assim que acontece.

Em um primeiro momento podemos ter a ideia de que a narrativa apresenta uma sociedade extremamente autoritária contra a liberdade de expressão, fazendo uma clara referência aos sistemas rigorosos e endurecidos que estavam se instalando em várias partes do mundo. Essa é uma das leituras que se pode fazer da obra. A outra, no entanto, que mais nos interessa, é a relação entre literatura e cultura de massa.

A cultura de massa, através dos meios de comunicação de massa, principalmente a televisão, transforma a cultura dita clássica ou erudita em um produto de mais fácil acesso às classes mais baixas, tornando-a mais fácil, mais compreensiva, acessível a todos, homogeneizando-a e simplificando-a para aproximá-la do gosto médio.

No filme temos a caça aos livros pelos bombeiros e a idolatria da televisão por parte da personagem Linda. A televisão substituira o livro e vários podem ser os motivos. Após o invento da fotografia e consequentemente do cinema e da televisão, a sociedade passa a se guiar muito mais pela imagem e, principalmente, da imagem em movimento, que não exige um esforço, seja ele de atenção, inteligência, sensibilidade ou memória, como cita José Paulo Paes no livro “A aventura literária”.

Com isso, percebemos que a cultura de massa, representada no filme pela televisão, tem o papel de afastar as pessoas da literatura, como a televisão destrói o interesse pelos livros. Na televisão tudo é mais fácil, em uma ou duas horas consegue-se apreciar um romance ou uma história de suspense que um livro precisaria de trezentas, quatrocentas páginas ou mais para contar, ganha-se tempo e perde-se em qualidade.

Podemos pensar o filme também considerando sua época de lançamento. O filme é da década de 60 e ela pode ser pensada em duas metades: a primeira metade mais idealista, marcada pelos ideais de liberdade e mudança iniciados nos anos 50. Na segunda metade perde-se essa inocência e parte-se para um movimento de mudança mais agressivo, trazendo consigo a revolução sexual, as experiências com drogas, os protestos estudantis, etc. O medo da repressão por parte dos governos também se torna uma constante nessa época. No Brasil temos o golpe de 64 e em 69 o pior ato contra a liberdade de expressão, o AI-5.

Esse “medo” da repressão, ou somente a possibilidade dela, é o que conseguimos perceber no filme. Uma sociedade extremamente manipulada em que a liberdade de expressão é totalmente censurada. Os cidadãos não têm direito mais a sua individualidade, e podemos perceber isso quando jovens com os cabelos longos são presos e tem os cabelos cortados.

A mídia manipula a opinião social, fazendo-a acreditar que os perigosos criminosos estão sendo devidamente punidos, tudo em nome da paz e da liberdade dos homens de “bens”, é a repressão pela liberdade. Os livros são deixados de lado pois o governo entende que eles são perigosos demais e podem influenciar a opinião das pessoas, fazendo com que elas se rebelem contra o estado, e esse passa então a controlar os meios de informação.

Guardadas as devidas proporções, se pensarmos na sociedade de hoje como sendo a sociedade do futuro imaginada no filme da década de 60, percebemos cada vez mais a rapidez com que as pessoas buscam informação e divertimento deixando de lado a reflexão e o pensamento, tudo está a um clique, estão todos muito cheios de nada, cheios de vazio, há muita informação e pouco conhecimento, opiniões borbulham por todos os cantos da internet, há um falatório sem sentido e sem embasamento, todos se acham críticos de cinema, de música, de literatura, todos podem criticar um vídeo no youtube ou um post em um blog qualquer de acordo com o “conhecimento” adquirido há segundos atrás na Wikipédia.

Podemos fazer uma síntese desses dois tempos a partir do pensamento de dois escritores que pensaram em sociedades a frente de seu tempo. A década de 60 pode ser comparada ao pensamento do escritor George Orwel, que tinha medo de que os livros fossem censurados por um estado autoritário que não permitiria o acesso das pessoas aos materiais que julgasse contra as regras da sociedade que impunha. Os dias atuais podem ser comparados à ideia de Aldous Huxley, que acreditava que não seria necessário um governo proibir o acesso aos livros porque as pessoas sozinhas não teriam interesse em lê-los. Estamos em uma época em que temos mais acesso à informação e conhecimento do que qualquer outra na história da humanidade - acesso a filmes, livros, música em um clique - e em que menos pessoas fazem um uso dessa vantagem para algo realmente produtivo e útil para si e para a humanidade, basta pensar no que são as “Luísas” e “Para nossa alegria” que nos atormentam a cada semana. 

A imagem abaixo ilustra bem a ideia dos dois autores. Para ver a comparação completa, acesse o site: http://oitudoemcima.com/2010/08/30/aldous-huxley-x-george-orwell/.


A já citada Linda Montag tem um papel muito importante na obre. Esposa de Guy Montag, apresenta uma antítese ao papel da personagem Clarisse Maclellan, vizinha que o conhece nas diárias viagens de trem comuns aos dois. Enquanto Linda é vazia de pensamentos, superficial no modo de falar e de se expressar, depressiva - embora tente a todo o momento mostrar que é feliz – tenta se enquadrar e ser aceita pelos membros de uma sociedade que vive de aparência e de relações fúteis e sem conteúdo, Clarisse, agindo de modo contrário, é uma mulher feliz, bem resolvida, extrovertida e questionadora.

Linda representa o senso comum, facilmente influenciável pelas opiniões de massa. Tenta manter a todo custo as aparências, como se nada tivesse acontecido ou acontecendo, aceita de maneira fácil e sem questionamento os fatos que a rodeiam. Ela não concorda com o marido quando ele começa a questionar os acontecimentos a sua volta ou quando ele resolve, por curiosidade, ler os livros que rouba antes que sejam incendiados.

Podemos compará-la com Meryl, esposa de Truman em “O show de Truman”. A todo o momento ela tenta passar uma falsa ideia de que tudo está correndo bem e de que deve permanecer assim, nada deve ser mudado e Truman deve desistir de seus pensamentos questionadores e libertários. Em Fahrenheit, Linda talvez nem tenha consciência do lugar onde vive e de qual sua função social, e opta por manter tudo como está simplesmente por ser mais fácil ou por desconhecer outra “realidade”. Em “O show de Truman”, Meryl tem que manter Truman em seu “caminho planejado” por motivos comerciais, pois do contrário o reality acabaria.

O papel de Clarisse Maclellan já é justamente questionar a realidade que a cerca e despertar o senso crítico no personagem principal, Montag. Sylvia, em “O show de Truman”, tem o mesmo papel antitético de Clarisse. É ela quem desperta os primeiros pensamentos questionadores de Truman, também personagem principal, e é a partir desse primeiro estímulo, dado tanto por Clarisse em Fahrenheit, quanto por Sylvia em “O show de Truman”, que os dois personagens principais começam a mudança de uma atitude ignorante, do senso comum, para uma atitude mais “filosófica”, questionadora, que busca a verdade.

O filme nos mostra, entre outras coisas, de modo mais aprofundado o que o suicídio dos livros citados na montagem representa. No entanto, não podemos ser tão críticos com os que assistem o BBB ou qualquer outro tipo de entretenimento vazio, muitos ainda são Linda Montag, outros começam a se transformar em Guy Montag e alguns podem ser considerados Clarisse Maclellan. E nós, em qual nível estamos?


domingo, 27 de maio de 2012

Relação de poder e surrealismo em DIno Buzzati


Ao falar de autores italianos, sempre nos vem à cabeça os mesmos autores: Dante, Ítalo Calvino, Umberto Eco e talvez um Pirandello, diferente de quando conversamos com alguém a respeito de autores franceses, por exemplo, que aparentemente são mais numerosos, mais influentes, ou seja, quando vamos falar de autores que influenciaram algum movimento literário, ou são referência para alguma obra, costumamos lembrar sempre de autores ingleses, franceses, alemães, deixando, na maioria das vezes, os italianos de lado, a não ser quando falamos de Camões e automaticamente lembramos dos sonetos de Petrarca ou da Divina Comedia para compará-la, sob alguns aspectos, com Os Lusíadas. Enfim, a quantidade de autores, que não italianos, são mais lembrados nas mais variadas ocasiões.

Alguns dizem - e nesses “alguns” eu incluo teóricos e professores – que muito do que foi feito, principalmente pelos franceses e ingleses, é uma espécie de adaptação de histórias nascidas em território italiano, das quais, por exemplo, Shakespeare teria se aproveitado para criar duas de suas principais obras: Hamlet e Romeu e Julieta, e que teriam ganhado popularidade não pela sua origem italiana, mas pelas suas adaptações ou produto de suas influências, por artistas de países mais expansivos e consequentemente populares e influentes como por exemplo a França, que fez a história de Pierrot ser mais conhecida pela sua variante do que pela original criação na Commedia dell’Arte italiana.

Isso se deve um pouco pelo fato de que, enquanto a França entrava em um processo expansionista com Napoleão, a Inglaterra com o seu processo de industrialização, a Itália lutava para conseguir se unificar. Isso se reflete profundamente em sua literatura, basta ler um dos principais livros italianos “I promessi sposi” (Os noivos – no Brasil) de Alessandro Manzoni, único representante do romantismo que, mesmo sendo romântico, não apresenta características desse movimento como por exemplo a idealização, que não cabia naquele momento, carente de transformações reais.

Fatos esses fazem com que alguns bons autores italianos sejam esquecidos pelo grande público leitor. Como aluno do curso de Letras e estudante de italiano vou no decorrer dos tempos comentando alguns autores interessantes.

Comecemos falando de um autor que teve sua obra por muito tempo comparada a de Franz Kafka, por conterem temas em comum como o escárnio e expressão de impotência enfrentada diante de um mundo incompreensível, podendo também ser comparado com as obras de Camus e Sartre. Em suas histórias há o predomínio do mágico, do inesperado, o leitor fica preso à história até o último momento à espera de saber o que vai acontecer, se acontecerá algo inexplicável, ou se acontecerá o mais comum, tudo fica suspenso até a última linha. Atrás da aparente leveza da narrativa de conto de fadas estão as importantes questões abordadas pelo autor. Seu nome é DINO BUZZATI.

Escreveu romances, peças de teatro, peças para rádio, livretos, poesia, contos, contos com animais fantásticos, vários relatos para jornais; escreveu um livro infantil e um livro de comédia; elaborou roteiros de cinema e artigos.

O conto “Sete andares” apresenta algumas características fantásticas. Sete andares conta a história de Giuseppe Corte, que ao chegar em uma cidade resolve procurar uma famosa clínica para se curar de uma doença. Logo de início, o edifício lhe causara boa impressão, lembrava muito um hotel. Ao entrar, passa por um consulta superficial e é encaminhado para o sétimo andar. O hospital abriga, de andar em andar, os casos leves da doença, progressivamente, até o primeiro, destinado aos moribundos.

A grande sacada do conto é que o protagonista vai sendo rebaixado de nível, portanto piorando progressivamente, sem que sua doença agrave, sem que ele mereça ser rebaixado por motivos de doença, cada vez que o rebaixam de degrau no hospital não o fazem por motivos lógicos, aliás, eles não agem de modo lógico no hospital; um paciente que é transferido para uma sala de cirurgia só porque seu quarto está com problemas, não pode ser submetido a uma cirurgia por esse fato. A analogia serve para ilustrar o que acontece no conto.

Podemos começar a análise do conto com a simbologia do número sete. Na cultura cristã, o algarismo sete corresponde a sete céus, sete sóis, sete esferas da antiga astrologia hermética: Sol, Lua, Mercúrio, Marte, Vênus, Júpiter e Saturno; as sete virtudes cristãs (as teologias: fé, esperança e caridade; as cardeais: força, temperança, justiça e prudência); os sete pecados capitais: orgulho, preguiça, inveja, cólera, luxúria, gula e avareza; os sete sacramentos: batismo, eucaristia, ordem, confirmação, casamento, penitência e extrema-unção; os sete dias da criação do mundo narrados no gênesis, sete tabernáculos e sete trombetas de Jericó; no Apocalipse temos os sete candelabros, sete estrelas, sete selos, sete cornos, sete pragas e sete raios. Pode ainda corresponder às cores do arco-íris, as sete notas da escala musical.

Além dessas várias interpretações acerca do número sete, Chevalier e Gheerbrant consideram que ele simboliza “os sete graus de perfeição”, e que se refere ao ciclo positivo de mudança.

Temos então no início da narrativa a junção do número sete (representando a mudança positiva), o fato de a clínica ser a melhor para se tratar aquele tipo de doença e o fato de Giuseppe apresentar um quadro leve, indicando que ele não precisaria de tantos cuidados. Esses fatos juntos levam o leitor a pensar que o desfecho será favorável, criando a expectativa de que ao entrar na clínica ele sairia completamente curado.

Essa expectativa se dá do início até o fim da narrativa e é reforçada pelo uso do narrador onisciente, distanciando-se dos juízos de valor acerca da doença de Giuseppe. Se o narrador fosse o próprio personagem poderia haver uma opinião tendenciosa em relação a sua própria doença, seria a sua opinião e nós leitores não teríamos como confrontá-la.

No entanto, essa expectativa vai sendo quebrada ao longo da narrativa na relação de oposição entre a vontade do indivíduo, ou seja, do próprio Giuseppe, e da instituição, ou seja, o hospital.

Desde o momento em que Giuseppe entra no hospital e vai para o sétimo andar o narrador faz questão de manter um distanciamento entre ele, que possui levemente uma doença, e os pacientes do primeiro andar, que já não tem mais salvação. Esse distanciamento serve para acentuar o impacto na inversão que ocorrerá na narrativa, seria um absurdo um homem que está apenas com uma leve febre ser colocado num andar com pessoas perto da morte, no entanto é isso que o desenrolar da história vai nos mostrando.

O comentário feito pelo personagem quando o enfermeiro lhe pede que se mude de quarto e de andar já mostra como o humor negro conduzirá a narrativa, pois, do mesmo modo que o leitor cria uma expectativa positiva em relação ao destino do personagem, o próprio personagem também cria uma expectativa positiva em relação ao seu destino. Quando ele diz: “- Será (...) - Mas parece-me de mau agoiro.”, já começa a intuir que algo poderá dar errado com a sua estadia no hospital.

Conforme Giuseppe vai sendo rebaixado seu ânimo vai piorando, como se ele fosse afetado pelo meio em que estava, sua doença vai piorando ao invés de melhorar, ele vai percebendo que não pode lutar contra uma estrutura tão bem organizada como a do hospital. Neste momento podemos perceber também a transição na postura de Giuseppe, no início ele tem uma postura firme e vai aos poucos passando para uma possível passividade, que será intercalada com momentos de contestação, que dão um tom de humor ao conto.
A todo o momento Giuseppe vai sendo convencido de que deve ir para um andar mais baixo do hospital e o leitor começa a perceber que o motivo de sua piora pode ser o próprio hospital, lugar calmo e tranqüilo mas que se apresenta de modo enlouquecedor e de certa forma engraçado. As pessoas não se ouvem e parecem não ouvir o paciente, dando a impressão de que algo está sendo escondido e de que há algo pretendido com o “rebaixamento” do paciente. Este, por sua vez, se vê preso em uma maluca estrutura organizacional como se fosse uma marionete, a mercê do controle autoritário do hospital.

Através dessa estrutura “surda” e enlouquecedora Giuseppe vai passando por todos os andares até que chega ao primeiro andar, aproximando-se do seu final, aproximando-se do final de sua “via crucis (...) que se encerra perto das três da tarde, suposto horário da morte de Cristo.”

Com esse desfecho, cômico e desesperador, Dino Buzzati quebra com tudo que poderia ser esperado no inicio da narrativa. Ele expõe o despreparo humano diante do inesperado, diante da confrontação e critica a passividade diante das injustiças.
O momento em que foi escrito o conto (1942) era propicio a esse tipo de crítica, Hitler, Mussolini e seus sistemas autoritários estavam ainda em plena forma, mesmo que alguns já conseguissem visualizar seu fim.

Do mesmo modo como Giuseppe foi conduzido ao seu fim, autoritariamente e sem explicação, manipulado pelos mandos e desmandos do hospital, a sociedade italiana, entre outras, também se viam presas a regimes autoritários que faziam o que bem entendiam com a população, essa sempre a acreditar que tudo poderia melhorar e que logo eles voltariam ao sétimo andar.

O conto é muito instigante e faz pensar sobre muitos aspectos da nossa própria realidade, o modo como às vezes somos conduzidos para o primeiro andar sem nem perceber. Vale a pena lê-lo.

Texto disponível no blog: http://cabana-on.com/Contos/Ficcao/ficcao28.html

Quer saber mais sobre o surrealismo e sobre outros contos de Dino Buzzati? Nesse link está disponível uma dissertação que detalha mais o autor: http://ebookbrowse.com/dissertacao-paula-parise-pinto-pdf-d50693543

sábado, 19 de maio de 2012

Willy Wonka – Transtorno de personalidade e pecados capitais



Noite de terça feira e, apesar do cansaço e a vontade de dormir, acabo sentando em frente à TV. Mudando os canais vejo que o SBT está passando (pela 1000ª vez) “A fantástica fábrica de chocolate”. Novamente deixo meu medo dos Oompa-Loompas de lado e resolvo assistir ao filme.

Falar de Tim Burton e Johnny Depp é chover no molhado. Já está mais do que provado que a parceria entre os dois é um sucesso. A atmosfera criada por Tim Burton, não só nesse filme, como em outros de sua direção, é algo fantástico (com o perdão do trocadilho). Cenários surreais, cores em demasia e um mundo onírico. Johnny Depp não deixa pra trás e com suas interpretações dá vida aos personagens que estão na cabeça do Sr. Burton. A análise desses elementos e dessa parceria fica para uma próxima vez.

O que me deixou mais espantado nesse filme, algo que eu já tinha percebido outras vezes, que pode não ser novidade para ninguém, mas que dessa vez foi mais intensa a ponto de me levar a escrever essas inconsistências, foi o fato de que esse filme é algo tenebroso, que passa longe de ser um filme para criança ou engraçado no sentido pastelão zorra total ou comédia estilo Adam Sandler ou que vai te fazer relaxar e dar boas risadas. Seu humor, ou poderíamos dizer sarcasmo, é inteligente e incômodo.

Mas vamos ao que interessa. Porque transtornos psicológicos e pecados capitais? Se pensarmos na figura do personagem Willy Wonka.perceberemos a relação desses três “temas” e como elas aparecem no filme.

Como dono da fábrica de chocolates, resolve abrir um concurso para escolher uma criança para herdar seu patrimônio. Para isso, esconde tíquetes dourados em barras de chocolate escolhendo aleatoriamente os participantes do “teste”. São os participantes: Augustus Gloop, menino comilão, mal educado e desagradável que entra na disputa por comer muito chocolate, o que lhe deu mais chances de conseguir o tíquete, e por ter a oportunidade de comer mais e mais entrando na fábrica. Violet Beauregarde, campeã mascadora de chicletes, apresenta uma personalidade competitiva e arrogante entrando na disputa simplesmente pela competição e por querer ganhar a todo custo. Veruca Salt, garota rica, mimada que consegue tudo que quer, inclusive, através do poder aquisitivo do pai, um tíquete dourado. Mike Teevee, menino viciado em vídeo games e eletrônicos em geral. O último, mas não menos importante, Charlie Bucket, menino pobre e inteligente, que consegue com muita dificuldade e sorte encontrar um tíquete dourado, possibilitando a entrada de seu avô, que conhecia muitas histórias sobre a fábrica.

Com uma rápida análise dos personagens, podemos perceber que eles, exceto Charlie, apresentam vícios, desvios de conduta, que vão ser criticados pelas músicas cantadas pelos Oompa-Loompas, e vão ser castigados ao desobedecer as regras impostas por Willy Wonka. Cada personagem, com seu “defeito”, representa um pecado capital; o menino comilão representa a gula, a soberba é representada pela menina arrogante e orgulhosa, o apego aos bens materiais e o prazer material deixam Veruca Salt com dois pecados: avareza e luxúria; quem também pode representar dois pecados capitais é o menino Mike Teevee: ira e inveja.

Os personagens vão sendo eliminados do teste pelo abuso desses “pecados”, como se fossem expulsos do paraíso. Ao desobedecer as regras de Willy Wonka, recebem um castigo físico e moral. O primeiro personagem a ser eliminado é Augustus Gloop. A sua gula fez com que ele quebrasse a regra de não poder tocar no chocolate. Ao desobedecer a regra, o menino cai em um rio de chocolate, é sugado por uma máquina e Willy Wonka observa tudo tranquilamente enquanto os Oompa-Loompas cantam uma canção:

Augustus Gloop, o comilão, um grande bobo trapalhão. Augustus Gloop, tão grande e vil, desagradável e infantil. Já era tempo e sem engano, de expulsá-lo pelo cano. Mas não precisam se alarmar, porque não vai se machucar!, porque não vai se machucar! Nós temos que reconhecer, modificado deve ser. As engrenagens vão girar, pra triturar e martelar. O porcalhão descomunal vai ser amado, afinal, pois quem irá desmerecer um bom bocado de glacê?

Violet Beauregarde, com arrogância ignora o conselho dado por Willy e come um chicletes ainda em fase de testes que a transforma em uma amora gigante. Os Oompa-Loompas cantam novamente uma canção enquanto Willy Wonka parece não se importar.

Atenção, está no ar a senhorita Beauregarde, que não se cansa de ficar mastigando, mastigando, mastigando sem parar. Mastigando sem parar, mastigando sem parar, mastigando sem parar. A sua boca já inchou de tanto que ela mastigou, bochechas grandes como um sino, o queixo igual a um violino. Mastigando sem parar, mastigando sem parar, mastigando, mastigando, mastigando sem parar. A cada dia crescem mais mandíbulas fenomenais, e com um baita mordidão, ao meio a língua cortarão. Por isso a gente vai tentar salvar a pobre Beauregarde. Mastigando sem parar, mastigando sem parar, mastigando, mastigando, mastigando sem parar. Mastigando sem parar. Mastigando sem parar

Veruca Salt pede ao pai um esquilo da fábrica de chocolates. No entando, Willy Wonka não está disposto a vender, o que faz com que a menina esperneie pedindo ao pai, que por sua vez não tem muito a fazer diante da situação. Ela decide roubar um esquilo, mesmo contrariando Willy. O resultado é que ela é atacada por esses esquilos, sem que ninguém faça nada em uma cena um tanto quanto violenta. Logo depois há a canção feita especialmente para ela:

Veruca Salt, a sem-noção, desceu pra dentro do lixão. E lá embaixo vai achar amigos novos pra brincar. Amigos novos pra brincar, amigos novos pra brincar! Se quer exemplo, aqui vai um: cabeça e cauda de um atum; uma ostra de um pirão qualquer; um bife que ninguém mais quer; e outras coisas sem valor, mas todas com o seu fedor! Que fedor! É o que a Veruca vai achar: amigos novos pra brincar! Que lá embaixo, vai achar! Quem é culpado por mimar e a garota estragar? Quem é que não a educou? Quem é culpado? Quem errou? A culpa é de quem já vai: da sua mãe e do seu pai!!!

Mike Teevee é o último a ter seu castigo. Willy Wonka lhe mostra uma máquina que consegue “teletransportar” uma barra de chocolate de um lugar a outro. Mike, mostrando um comportamento acelerado e nervoso, invejando o invento de Wonka e desprezando o fato dele não querer explorar mais seu invento, aplicando-o aos seres humanos, resolve testar o equipamento em si mesmo, contrariando as instruções do inventor. A máquina possuía dois problemas: é unidirecional e todo corpo é diminuído nesse processo.

A coisa principal temos que dizer. A coisa principal que diz respeito a todo aprendiz é, nunca permitir só ver televisão. Evite mesmo instalar a idiotice no seu lar. Nunca, nunca deixe. Nunca, nunca deixe. Nunca, nunca deixe. Nunca, nunca deixe. A mente faz apodrecer e as idéias perecer. E ela vai te transformar num paspalhão bobão demais. Bobão demais! Bobão demais! Se não consegue entender e as fábulas compreender. As fábulas! As fábulas! E a memória supor e ser, travada, enferrujada até, não quer pensar, somente ver! E quanto ao Mikezinho Teavee, nós lamentamos lhes dizer, que lástima! Só vamos nos sentar e ver. Nós lamentamos lhes dizer, só vamos esperar e ver se ao seu tamanho vai voltar, mas se não der... bem-feito está!

Enquanto as crianças são punidas por seu desrespeito, Willy Wonka não esboça nenhuma reação de pena ou toma alguma atitude para ajudá-los mostrando uma certa satisfação ao ver o sofrimento alheio. Willy Wonka é um personagem extremamente sádico e irônico – tendo essa sua vertente irônica explorada com frequência pelos usuários do facebook através de sua imagem seguida de duas frases, uma questionando a outra em tom irônico. 



Esse sadismo é causado por um transtorno de personalidade que gera uma interpretação errônea de um estímulo externo, como acontece no momento de recepção das crianças em que o teatro criado pra recebê-las pega fogo. Não é uma cena magnífica como ele afirma ao final do teatro, é algo macabro e de mal gosto, no entanto, ele se mostra entusiasmado com o resultado trágico. Ao ver as crianças sendo castigadas, sua reação também não condiz com a de uma pessoa “normal".




Os problemas com o pai na infância certamente influenciaram a formação de seu caráter e no desenvolvimento desses transtornos psicológicos. Seu comportamento antissocial e a falta de qualquer tipo de intimidade e afeto com seres humanos é notado pelo seu comportamento esquivo e a falta de proximidade com os visitantes da fábrica. Ele somente consegue criar uma proximidade com Charlie, vencedor do teste, que se nega a abandonar a família para se tornar dono da fábrica. Willy por várias vezes no filme relembra seu passado através de atitudes de Charlie, sendo que ele é quem o liga ao passado e faz com que ele consiga lidar com os problemas do presente.

Charlie não sofre nenhum castigo e por sua humildade acaba vencendo a gincana proposta por Willy. No final das contas há uma espécie de moral da história, os bons e humildes vencem, enquanto os pecadores, os arrogantes e os desrespeitosos são punidos para aprenderem a lição. Isso não desmerece a obra em si, mas pode ser levada para o lado da moral religiosa. Algo parecido ocorre com “Auto da barca do inferno” de Gil Vicente, em que a barca do Inferno vai lotada de personagens pecadores que, mesmo depois de mortos, não se arrependem do que fizeram em vida. Ambas podem ser encaradas como obras de tom moralizante.

O intuito do texto não é explorar nem se estender em conceitos referentes à psicologia, mas analisar elementos que se relacionam dentro de uma obra de uma maneira simples e acessível a quem quiser ver o filme não só como entretenimento, mas como objeto de reflexão e aprendizado.

domingo, 13 de maio de 2012

FELIZ DIA DAS MÃES ROGER WATERS






Nesse dia em que os filhos se lembram de suas mães, os presentes são dados, os restaurantes estão cheios e as homenagens são feitas, vale a pena lembrar de uma das mães mais famosas do rock: a mãe de Roger Waters. No entanto, a homenagem feita à senhora Mary Fletcher Waters não foi tão romântica assim.

Após a morte de seu pai, na Segunda Guerra Mundial, Roger Waters, com apenas cinco meses, passa a viver somente com sua mãe superprotetora, e a falta da figura paterna desencadeia uma série de transtornos em sua personalidade, como podemos perceber no problemático e sombrio personagem Pink criado por ele para a ópera rock “The Wall”.

A mãe criada por Waters nada tem a ver com aquela mãe idealizada, romântica; a mãe criada por ele é uma mãe que o protege em uma realidade de autoproteção, castração e medo, afastando-o dos perigos que um dia, sozinho, terá que enfrentar. No clipe acima podemos perceber que, mesmo adulto e teoricamente consciente dos seus atos e há algum tempo já desvencilhado das amarras maternas, Pink ainda não consegue pular o muro construído à sua volta pela própria mãe.

A música, baseada no jogo de perguntas, estabelecendo um diálogo entre Pink e sua mãe, mostra a insegurança do filho em relação às angústias da vida, em relação a que caminho tomar, já que até então todos os caminhos haviam sido tomados por ela. Percebemos essa insegurança nos primeiros versos da música: Mother, do you think they'll drop the bomb?/Mother, do you think they'll like this song?/Mother, do you think they'll try to break my balls?/Mother, should I build the wall?/Mother, should I run for president?/Mother, should I trust the government?/Mother, will they put me in the firing line?/Is it just a waste of time?.

A fala da mãe, no entanto, não responde às suas angústias, não responde às perguntas feitas por Pink, por talvez julgar que elas não devam ser ditas a ele a fim de protegê-lo, a fim de lhe esconder as verdadeiras respostas. Nessa intenção protetora, ela coloca mais um tijolo no muro em volta de Pink.

A segunda parte da música revela a parte mais interessante da relação de Pink com sua mãe e é nesse momento que a teoria psicanalítica entra. Quando Pink diz “Mother, do you think she's good enough/For me?/Mother, do you think she's dangerous/To me?/Mother will she tear your little boy apart?/Mother, will she break my heart?, podemos pensar na teoria desenvolvida por Freud do “Complexo de Édipo”, que se caracteriza pelo sentimento contraditório de amor à figura materna e hostilidade à figura paterna.

Tal teoria foi desenvolvida por Freud tem como base o personagem principal de “Rei - Édipo”, tragédia grega escrita por Sófocles. Na tragédia, Édipo, sem saber o que fazia, mata seu pai Laio e casa-se com sua mãe Jocasta. Ao descobrir o acontecido, fura os próprios olhos numa atitude auto-punitiva.

Ao se desenvolver, a criança começando a reconhecer-se como sujeito separado de seus pais, encontra no pai a figura da ordem e na mãe a figura de uma espécie de “primeiro amor” e de proteção. Ao perceber que a mãe pertence ao pai, desenvolve-se uma certa hostilidade a ele. O fato de Pink crescer sem o pai gera um duplo sentimento de contradição em relação à mãe, ele não a disputa com ninguém, mas também não pode obtê-la.

Freud ainda dizia que na impossibilidade de se relacionar com a mãe – ou com o pai, no caso das meninas – o indivíduo passa a vida toda, mesmo que de forma inconsciente, buscando um parceiro que possua as características dos pais. Pink, novamente inseguro, só que dessa vez em relação ao relacionamento, busca na mãe a aprovação de seus pares, como percebemos no trecho acima. É como se a mãe tivesse que aprovar alguém a sua altura para poder relacionar-se com o filho, porém, quem busca a aprovação em si mesmo das pretendentes é o próprio Pink. O resultado é que ele não consegue levar seu relacionamento adiante pela impossibilidade de encontrar a própria mãe e pela castração que isso lhe causa.

É claro que o caso de Roger Waters exteriorizado na forma do personagem Pink é carregado de sentimentos exagerados, e não no sentido negativo do exagero, mas no sentido de perceber algo que acaba sendo recorrente na maioria das mães e que só percebemos se for arregaçado em nossa frente. A proteção é algo natural, saudável e importante para o ser humano, a crítica aqui fica por conta das mães que não entendem que em um determinado momento da vida seu bebê cresce e começa a andar com as próprias pernas, se tornando um comportamento doentio de superproteção.

Ainda dá tempo, dê um abraço na sua mãe, afinal, “Momma's gonna keep baby healthy and clean”



segunda-feira, 4 de julho de 2011

Gavetas

Adoro mexer em gavetas bagunçadas. Procurar o que não acho e encontrar o que não quero (espero). Encontrar lembranças esquecidas guardadas em meio a bagunça e desarrumação. Infância e juventude se misturam num mesmo espaço no universo. Chaveiros, fotos, bilhetes, brinquedos, escritos, recados não lidos, tampas, canetas, cd, dvd, fita, agenda, gaveta, incenso, borracha, amigos, pedidos esquecidos, anéis, camiseta, diploma, bicicleta. Na gaveta encontro de tudo, mas, o que eu procurava mesmo?

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Muito prazer, meu nome é otário


Vivemos hoje em dia na era Restart, Justin Bieber e de todas essas duplas sertanejas que aparecem por geração espontânea, sem falar dos tecno bregas, axés e afins que também nos cercam de domingo a domingo nos Faustões da vida. No entanto, mais do que os espectadores ou consumidores dessa nova (ou velha geração de música comercial) nós temos os músicos, a mão de obra desse sistema, o servente de pedreiro da indústria cultural, que é taxado muitas vezes de otário, vendido ou qualquer outro tipo de xingamento carinhoso que se possa dar aquele que não exerce aquilo que “ama” ou o faz por remuneração.
Por isso vos digo: “muito prazer, meu nome é otário”, parafraseando aquela banda do sul que explora temas complicados em suas letras, que utilizam a filosofia e que tem um líder complicado e às vezes autoritário, e que muitas das pessoas que julgam os “músicos mercenários” mal conhecem ou mal entendem.
Ainda não entendendo nada? Comecemos do começo.
Desde muito cedo meu sonho era ser baterista de uma banda de rock, fazer sucesso, fazer shows e viver da música para o resto da vida. Desde muito cedo estava acostumado a ir nos churrascos de família onde só tocava sertanejo, desde os antigos como Tião Carreiro e Pardinho, Pedro Bento e Zé da Estrada, Tonico e Tinoco, Sérgio Reis, Milionário e José Rico, até os mais “novos” como Chitãozinho e Xororó, Christian e Ralf, Leandro e Leonardo, Zezé di Camargo e Luciano. Ouvia também, por influência de minhas irmãs Paralamas do Sucesso com o grande mestre João Barone, Legião Urbana, Titãs, Bon Jovi e outras bandas. Sempre ouvi alguns de meus familiares dizendo que eu devia me formar e arrumar uma profissão, que a bateria seria meu hobby e não a fonte do meu sustento.
Aos quinze anos aprendi a tocar bateria sozinho e sem bateria, ouvia música e vendo os vídeos na televisão imitava meus bateristas favoritos ao estilo “air guitar”. Depois comprei um par de baquetas e no colchão comecei a treinar as músicas. Tocava no início Blink 182, Cpm 22, Detonautas e outras bandas que estavam no auge da época. Mais pra frente amadureci como instrumentista e comecei a tocar Iron Maiden, Angra, Led Zeppelin, Black Sabath, etc.
Mesmo tocando não tinha condições de comprar meu instrumento, vivia pedindo pratos emprestados, pedal, quando tocava pedia bateria emprestada, sempre contando com a boa vontade de meus amigos. Tive que trabalhar seis meses para poder comprar meu pedal duplo e o dinheiro que eu tirava tocando nos bares de minha cidade nunca deu pra comprar baquetas, muito menos pratos e ferragens.
O que eu ouvia era sempre o mesmo: “você é bobo, toca, ensaia, se esforça, trabalha para comprar seus instrumentos e no final não ganha nada, ou o que ganha não paga nem a gasolina para ir aos shows.” Isso nunca me incomodou, para mim tocar era como jogar futebol nos fins de semana, ninguém ali tem intenção de jogar na seleção brasileira, e sim de se divertir, de encontrar os amigos, fazer algum esporte, etc.
Hoje faço faculdade fora de casa e por algumas circunstâncias me chamaram para tocar em uma banda de sertanejo universitário. Pensei “agora sim está compensando tocar, eu consigo tirar uma grana pelo menos para bancar meu instrumento, curto umas festas de graça, viajo para tocar, estou com meus companheiros de banda e acima de tudo faço o que gosto: tocar bateria”.
Mas não é tão simples assim. Por vezes já ouvi “Nossa, mas você toca sertanejo?”, “Você ouve sertanejo?”, como se isso fosse a pior coisa do mundo, como se eu fosse da ku klux klan ou defendesse o nazismo. As pessoas te olham como se você tivesse uma doença grave ou coisa do tipo, dizendo que você é vendido e que toca pelo dinheiro, que isso só aumenta o poder da indústria cultural. Sou formado em publicidade e propaganda e por um bom tempo estudei textos sobre indústria cultural e sei muito bem que o músico é só a ponta do iceberg , falar isso é o mesmo que culpar um pedreiro pela falta de moradia no país por ele construir condomínios de luxo ao invés de casas populares. Isso se chama lei da sobrevivência, todos temos que nos virar para colocar comida dentro de casa e hoje em dia quem não trabalha por dinheiro? Hipócrita é aquele que disser que não. Quem trabalha pelo simples fato de acordar cedo e fazer algo que gosta? Sorte das pessoas que podem fazer o que gostam e que são bem remunerados para isso, mas a vida não é tão simples assim, chega uma época da vida em que temos contas para pagar e nem sempre o amor pela profissão é o bastante para isso. Acredito que muitos caixas de supermercado não gostariam de ser caixa de supermercado, alguns talvez sonhassem em ser engenheiros, ou advogados quem sabe, mas as circunstâncias não os levaram à realização desse sonho e a vida não para.
Acredito também que devemos ter o mínimo de amor próprio e tentar algo que nos agrade minimamente, já que não podemos fazer o que queremos e ter um bom salário fazendo isso, no caso do músico, nem sempre tocar um estilo diferente daquele que ele jurou amor eterno é ser vendido ou é tocar apenas pelo dinheiro, mas o simples fato de tocar já o faz feliz, independente do estilo. É aí que entra o dilema: se você toca por amor e não ganha nada as pessoas dizem que você é um sonhador e que isso não levará a nada, se você consegue tocar e ganhar uma grana é porque você está tocando algo comercial, que não tem valor e está tocando somente por dinheiro. Pela cabeça das pessoas que pensam assim você acaba sendo o otário de qualquer jeito.
Por trás de muitas bandas ditas “porcaria” existem ótimos músicos que sustentam a família fazendo shows e que devem ser respeitados por isso, infelizmente o músico não é o culpado pela indústria que se instaura e que vende música como se vende banana, o buraco é mais embaixo e culpá-los por isso é ignorar os fatos. Nós vivemos em um sistema capitalista e, gostando ou não, temos que nos encaixar, com o músico não é diferente. Existem bandas undergrounds que fazem o som que gostam, fazem shows, tem seu público mas dizer que não são comerciais só porque não estão na grande mídia é complicado. Existem maneiras de driblar algumas imposições comerciais feitas por grandes gravadoras, mas não ser comercial (no sentido restrito da palavra comércio) é algo ainda um pouco distante, se você pensar que quase tudo se baseia na troca de valores, no compra e venda, com a música não é diferente, de alguma maneira sua música vale alguma coisa, e isso não quer dizer que eu concorde plenamente com essa “coisificação” de tudo que existe, principalmente da arte.
Existem pessoas hipócritas que adoram julgar num ato de auto-afirmação e egocentrismo os que querem apenas se divertir, ou ganhar dinheiro ou sei lá, viver sem ter que pensar que não é “Cult” gostar disso ou daquilo, que lendo esse ou aquele autor você vai ter menos ou mais valor, que participar do simulacro em que estamos envolvidos faz de você menor do que aqueles que tentam incessantemente fugir de tudo que está construído a nossa volta.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Metáforas instantâneas

Acredito que a vida seja uma viagem. Dizer isso não é nada de novo. Mas isso me ocorreu de maneira mais incisiva naquele momento. No início estamos contentes com aquela nova experiência, algo que nunca nos ocorreu antes, esperamos aproveitá-la da maneira mais intensa possível. Tudo é agradável e belo. Os dias vão se passando e a intensidade vai se diminuindo. No final já não conseguimos mais gozar plenamente, estamos preocupados com a volta, estamos tristes por ter que voltar, estamos melancólicos, estamos nos lembrando dos momentos felizes que se passaram. Começamos nesse momento a pensar nos dias felizes que se foram e esquecemos de aproveitar o que ainda nos resta até que não nos resta mais nenhum e como um rio desaguamos no céu.

A velhice é como uma viagem que chega-se ao fim. Estamos tristes e nostálgicos. Lembramos de nossa juventude, do tempo que ainda tínhamos disposição para a vida e pensávamos mais no que faríamos com o futuro do que com o que ele faria conosco. Deixamos de aproveitar o que nos resta ainda nessa louca viagem chamada vida para nos lembrar do que já passou, do que já fizemos e aceitamos o fim de maneira serena e triste. Não existe maneira de lutar contra isso.


Lembro-me agora da primeira vez que fui à praia. Ao fim da viagem eu não queria voltar para casa, queria que meu pai arrumasse um emprego por lá e que ficássemos em clima de férias para o resto da vida. Com o tempo fui aprendendo que as viagens não duram para sempre, e a que mais me dói saber de seu fim é a vida.

Os olhos ficam perdidos. Não há mais o que esperar na noite anterior a nossa volta. Não há mais tempo para nada, somente lembrar do que passou, dos momentos felizes e lamentar a velocidade de como se dão as coisas. Às vezes nos consola saber que logo viajaremos novamente. Já na velhice, não temos mais esse consolo. Estamos nos preparando para nossa última e derradeira volta.